18 de set. de 2014



O Prazer


Eu acredito que vivemos para ter prazer. Bachelard era mais ousado do que eu e não se envergonhava de afirmar: “O universo tem, para além de todas as misérias, um destino de felicidade. O homem deve reencontrar o Paraíso”.
Minha filosofia da educação decorre desse ato de fé, podendo assim ser resumida: o objetivo da educação é aumentar as possibilidades de prazer e alegria. O destino da razão é servo do prazer. Uma inteligência feliz é uma inteligência... mais inteligente... De novo, a sabedoria de Zaratustra:
“Meu irmão, lá, atrás dos seus pensamentos e sentimentos, se encontra um senhor poderoso, um sábio desconhecido, cujo nome é você mesmo. Ele mora no seu corpo. Ele é o seu corpo. Há mais razão no seu corpo que na sua melhor sabedoria. [...] O seu corpo (Selbst) se ri do seu ego e dos seus saltos ousados. Que é que esses saltos e voos de pensamento significam pra mim? Ele diz para si mesmo. Um desvio do meu fim. Eu sou os fios que movem o ego e o suporte onde se assentam  os seus conceitos. O corpo diz para o ego: Sinta dor aqui! Então o ego sofre e pensa em como parar de sofrer – e é isso que faz o ego pensar. O corpo diz para o ego: sinta prazer aqui! Então o ego tem prazer e pensa em como repetir esse prazer – e é isso que faz o ego pensar. O corpo criador criou o espírito como uma mão para a sua vontade.
Descreva o método empregado para compor esse prelúdio para piano que estou ouvindo, senhor Rachmaninov! Descreva o método empregado para escrever seus contos. Senhor Jorge Luis Borges! Descreva o método empregado para imaginar seus fantásticos desenhos, Senhor Escher! Eles se ririam. Não há métodos para se ter boas idéias. As boas idéias não são produzidas; não são construídas. Elas simplesmente aparecem diante dos nossos olhos, sem que as tivéssemos procurado metodologicamente. Era assim que Picasso descrevia o seu método: “Eu  não procuro. Eu encontro.” O corpo não caminha sobre certezas metodológicas. Ele simplesmente aposta na verdade de um pensamento que lhe apareceu repentinamente, vindo não sabe donde. E assim ele salta. “Navegar é preciso. Viver não é preciso.” Viver é ter coragem para testar a aposta. Pode ser que a aposta esteja errada: mas não há alternativas. E tolos são aqueles que pensam que as certezas da ciência são uma alternativa à aposta. Porque a ciência também resulta de uma aposta e está construída sobre incertezas. Karl Popper, talvez o mais famoso filósofo da ciência de nossa época, ao final de seu livro A lógica da investigação científica diz o seguinte: A ciência não é um sistema de declarações certas ou bem estabelecidas. [...] Nossa ciência não é conhecimento: ela não pode  nunca pretender haver atingido a verdade, ou mesmo um substituto para ela, como a probabilidade. [...] Nós  não conhecemos: nós só podemos adivinhar. E nossas adivinhações são guiadas pela fé metafísica 9 embora biologicamente explicável), não científica, em leis, regularidades que podemos descobrir.

Autor: Rubem Alves
Livro: Variações sobre o prazer


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