SUAVE
MILAGRE
Nesse tempo Jesus ainda se não afastara da Galiléia e das
doces, luminosas margens do Lago de Tiberíades – mas a nova dos seus milagres
penetrara já até Enganim, cidade rica, de muralhas fortes, entre olivais e
vinhedos, no país de Isaacar.
Uma tarde, um de olhos ardentes e deslumbrados passou no
fresco vale e anunciou que um novo Profeta, um Rabi formoso, percorria os
campos e as aldeias da Galiléia, predizendo a chegada do reino de Deus, curando
todos os males humanos.
Um dia um mendigo entrou no casebre, repartiu do seu
farnel com a mãe amargurada. E um momento sentado na pedra da lareira, coçando
as feridas das pernas, contou dessa grande esperança dos tristes, esse Rabi que
aparecera na Galiléia, e de um pão no mesmo cesto fazia sete, e amava todas as
criancinhas, e enxugava todos os prantos, e prometia aos pobres um grande e
luminoso Reino, de abundância maior que a corte de Salomão. A mulher escutava,
com olhos famintos. E esse doce Rabi, quantos o desejavam, que se
desesperançavam! A sua fama andava por toda a Judéia, como o sol que até por
qualquer velho muro se estende e se goza; mas para enxergar a claridade do seu
rosto, só aqueles ditosos que o seu desejo escolhia. Obede, tão rico, mandara
os seus servos por toda a Galiléia para que procurassem Jesus, o chamassem com
promessas a Enganim. Séptimo, tão soberano, destacara os seus soldados até a
costa do mar, para que buscassem Jesus, o conduzissem, por seu mando, a
Cesaréia. Errando, esmolando por tantas estradas, ele topara os servos de
Obede, depois os legionários de Séptimo.
E todos voltavam, como derrotados, com as sandálias rotas,
sem terem descoberto em que mata ou cidade, em que toca ou palácio, se escondia
Jesus.
A tarde caía. O mendigo apanhou o seu bordão, desceu pelo
duro trilho entre a urze e a rocha. A mãe retomou o seu canto, mais vergada,
mais abandonada. E então o filhinho, num murmúrio mais débil que o roçar de uma
asa, pediu à mãe que lhe trouxesse esse Rabi que amava as criancinhas ainda as
mais pobres, sarava os males ainda os mais antigos. A mãe apertou a cabeça
esguedelhada:
- Oh, filho! E como queres que te deixe, e me meta aos
caminhos, à procura do Rabi da Galiléia? Obede é rico e tem servos, e debalde
buscaram Jesus, por areias e colinas, desde Corazaim até ao país de Moabe.
Séptimo é forte e tem soldados, e debalde correram por Jesus, desde o Hébron
até ao mar! Como queres que te deixe? Jesus anda por muito longe e a nossa dor
mora conosco, dentro destas paredes, dentro nos prende. E mesmo que o
encontrasse, como convenceria eu o Rabi tão desejado, por quem ricos e fortes
suspiram, a que descesse através das cidades até esse ermo, para sarar um
entrevadinho tão pobre, sobre enxerga tão rota?
A criança, com duas longas lágrimas na face magrinha,
murmurou:
- Oh, mãe! Jesus ama todos os pequeninos. E eu ainda tão
pequeno, e com um mal tão pesado, e que tanto queria sarar!
E a mãe, em soluços:
- Oh, meu filho, como te posso deixar? Longas são as
estradas da Galiléia, e curta a piedade dos homens. Tão rota, tão trôpega, tão
triste, até os cães me ladrariam da porta dos casais. Ninguém atenderia o meu
recado e me apontaria a morada do doce Rabi. Oh, filho! Talvez Jesus
morresse... Nem mesmo os ricos e os fortes o encontram. O céu o trouxe, o céu o
levou. E com ele para sempre morreu a esperança dos tristes.
Dentre os negros trapos, erguendo as suas pobres mãozinhas
que tremiam, a criança murmurou:
- Mãe, eu queria ver Jesus...
E logo, abrindo devagar a porta e sorrindo, Jesus disse à
criança:
-Aqui estou.
Livro: Os melhores
contos Bíblicos
Autor: Eça de Queiroz

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