24 de dez. de 2014



AS VELAS

O Natal está chegando. Fico com medo. Medo da loucura. Natal é o tempo em que as pessoas ficam perturbadas. Cantam Noite de Paz. Mas seus corpos e almas estão em guerra, possuídos pela agitação e pela pressa. Quando o Deus-Menino nasce, o Diabo se põe a correr.
Valho-me das minhas velas para exorcizar a loucura. Por um ano inteiro eu as deixei esquecidas no escuro de um armário. Um sopro meu as fizera adormecer. E assim ficaram, como a Bela Adormecida, à espera da chama que as faria acordar. Parecem mortas. Mas sei que o toque do fogo as fará viver de novo. Aguardam a ressurreição. Como são humanas! Parecem-se conosco. Também os nossos corpos endurecidos podem arder de novo. Para isto basta que sejam tocados pela magia do fogo!
Preciso delas, das minhas velas. Suas chamas fiéis me tranquilizam “Quer ficar calmo?”, perguntava o velho Bachelard. “Respira suavemente diante da chama leve que faz sossegadamente seu trabalho de luz.”
Tão diferentes das lâmpadas! Seria possível, por acaso, amar uma lâmpada? Que emoções mansas podem nascer de sua luz forte e indiferente? Quem as chamaria de minha lâmpada? Todas as lâmpadas são iguais. Ao morrerem queimadas nenhuma tristeza provocam. Só o incômodo de terem de ser trocadas por outras.
As velas são diferentes. Choram enquanto iluminam. Suas rimas nascidas do fogo transbordam e escorrem pelo seu corpo. Choram por saber que para brilhar é preciso morrer. Não é possível contemplar uma vela no seu trabalho de luz sem sentir um pouco de tristeza. Sua chama modesta, modulada por indecisões e tremores, faz-me voltar sobre mim mesmo. Também sou assim. Minha chama vacila ao ser tocada pelo vento. Por isto posso chamá-la de minha vela. Somos feitos de uma mesma substância. Temos um destino comum.

Rubem Alves
Livro: A melhores Crônicas

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