AS VELAS
O Natal está
chegando. Fico com medo. Medo da loucura. Natal é o tempo em que as pessoas
ficam perturbadas. Cantam Noite de Paz. Mas seus corpos e almas estão em
guerra, possuídos pela agitação e pela pressa. Quando o Deus-Menino nasce, o
Diabo se põe a correr.
Valho-me das
minhas velas para exorcizar a loucura. Por um ano inteiro eu as deixei
esquecidas no escuro de um armário. Um sopro meu as fizera adormecer. E assim
ficaram, como a Bela Adormecida, à espera da chama que as faria acordar. Parecem
mortas. Mas sei que o toque do fogo as fará viver de novo. Aguardam a
ressurreição. Como são humanas! Parecem-se conosco. Também os nossos corpos
endurecidos podem arder de novo. Para isto basta que sejam tocados pela magia
do fogo!
Preciso delas,
das minhas velas. Suas chamas fiéis me tranquilizam “Quer ficar calmo?”,
perguntava o velho Bachelard. “Respira suavemente diante da chama leve que faz sossegadamente seu trabalho de luz.”
Tão diferentes das lâmpadas! Seria possível, por acaso, amar uma lâmpada? Que emoções mansas podem nascer de sua luz forte e indiferente? Quem as chamaria de minha lâmpada? Todas as lâmpadas são iguais. Ao morrerem queimadas nenhuma tristeza provocam. Só o incômodo de terem de ser trocadas por outras.
Tão diferentes das lâmpadas! Seria possível, por acaso, amar uma lâmpada? Que emoções mansas podem nascer de sua luz forte e indiferente? Quem as chamaria de minha lâmpada? Todas as lâmpadas são iguais. Ao morrerem queimadas nenhuma tristeza provocam. Só o incômodo de terem de ser trocadas por outras.
As velas são
diferentes. Choram enquanto iluminam. Suas rimas nascidas do fogo transbordam
e escorrem pelo seu corpo. Choram por saber que para brilhar é preciso morrer.
Não é possível contemplar uma vela no seu trabalho de luz sem sentir um pouco
de tristeza. Sua chama modesta, modulada por indecisões e tremores, faz-me
voltar sobre mim mesmo. Também sou assim. Minha chama vacila ao ser tocada pelo
vento. Por isto posso chamá-la de minha vela. Somos feitos de uma mesma
substância. Temos um destino comum.
Rubem Alves
Livro: A melhores Crônicas

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