“As pessoas
ainda não foram terminadas…”
As
diferenças entre um sábio e um cientista? São muitas e não posso dizer todas.
Só algumas.O sábio conhece com a boca, o cientista, com a cabeça. Aquilo que o
sábio conhece tem sabor, é comida, conhecimento corporal. O corpo gosta. A
palavra “sapio”, em latim, quer dizer “eu degusto”… O sábio é um cozinheiro que
faz pratos saborosos com o que a vida oferece. O saber do sábio dá alegria,
razões para viver. Já o que o cientista oferece não tem gosto, não mexe com o
corpo, não dá razões para viver. O cientista retruca: “Não tem gosto, mas tem
poder”… É verdade. O sábio ensina coisas do amor. O cientista, do poder. Para
o cientista, o silêncio é o espaço da ignorância. Nele não mora saber algum; é
um vazio que nada diz. Para o sábio o silêncio é o tempo da escuta, quando se
ouve uma melodia que faz chorar, como disse Fernando Pessoa num dos seus
poemas. Roland Barthes, já velho, confessou que abandonara os saberes faláveis
e se dedicava, no seu momento crepuscular, aos sabores inefáveis.
Outra
diferença é que para ser cientista há de se estudar muito, enquanto para ser
sábio não é preciso estudar. Um dos aforismos do Tao-Te-Ching diz o seguinte:
“Na busca dos saberes, cada dia alguma coisa é acrescentada. Na busca da
sabedoria, cada dia alguma coisa é abandonada”. O cientista soma. O sábio
subtrai. Riobaldo, ao que me consta, não tinha diploma. E, não obstante, era
sábio. Vejam só o que ele disse: “O senhor mire e veja: o mais importante e
bonito do mundo é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não
foram terminadas – mas que elas vão sempre mudando…”
É
só por causa dessa sabedoria que há educadores. A educação acontece enquanto as
pessoas vão mudando, para que não deixem de mudar. Se as pessoas estivessem
prontas não haveria lugar para a educação. O educador ajuda os outros a irem
mudando no tempo.
Eu
mesmo já mudei nem sei quantas vezes. As pessoas da minha geração são as que
viveram mais tempo, não pelo número de anos contados pelos relógios e
calendários, mas pela infinidade de mundos por que passamos num tempo tão
curto. Nos meus 74 anos, meu corpo e minha cabeça viajaram do mundo da pedra
lascada e da madeira – monjolo, pilão, lamparina – até o mundo dos
computadores e da internet. Os animais e plantas também mudam, mas tão devagar
que não percebemos. Estão prontos. Abelhas, vespas, cobras, formigas, pássaros,
aranhas são o que são e fazem o que fazem há milhões de anos. Porque estão
prontos, não precisam pensar e não podem ser educados. Sua programação, o tal
de DNA, já nasce pronta. Seus corpos já nascem sabendo o que precisam saber
para viver. Conosco aconteceu diferente. Parece que, ao nos criar, o Criador
cometeu um erro (ou nos pregou uma peça!): deu-nos um DNA incompleto. E porque
nosso DNA é incompleto somos condenados a pensar. Pensar para quê? Para
inventar a vida! É por isso, porque nosso DNA é incompleto, que inventamos
poesia, culinária, música, ciência, arquitetura, jardins, religiões, esses
mundos a que se dá o nome de cultura. Pra isso existem os educadores: para
cumprir o dito do Riobaldo… Uma escola é um caldeirão de bruxas que o
educador vai mexendo para “desigualizar” as pessoas e fazer outros mundos
nascerem…
Autor : Rubem Alves

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