Educação dos Sentidos
Os sentidos humanos e os seus prazeres e alegrias
andam pelo mundo das des-formações. Culinária é uma des-formação. Música é uma
desformação. Pintura é uma desformação. Educar os sentidos é despertar neles
possibilidades inventadas de prazer. Criar novas possibilidades de prazer.
Brecht disse que o objetivo da ciência é aliviar a miséria da existência
humana. Para mim, isso é necessário mas é muito pouco. Seria o mesmo que dizer
que o objetivo da culinária é matar a fome. Sim, é preciso matar a fome. Mas o
objetivo da culinária é tornar a fome ocasião de prazeres requintados. O olhar
precisa ser educado. “Não basta abrir a janela para ver os campos e os rios.
Não é bastante não ser cego para ver as árvores e as flores. É preciso também
não ter filosofia nenhuma...”, disse Alberto Caeiro. Temos olhos e somos cegos.
Somos castrados nos olhos. Nossos olhos não experimentam ereções. O visível não
nos espanta. O trágico espetáculo das pessoas assentadas diante da televisão dá
testemunho de que os objetos do mundo não nos excitam. Nietzsche via “0
aprender ver” como a primeira tarefa da educação. A educação do olhar passaria
pelos poemas de Alberto Caeiro. Não vemos com os olhos. Vemos com as palavras.
Para ver é preciso não ter filosofia... É preciso fazer calar as palavras para
se ver com clareza. Os fenomenólogos perceberam isso. Visitei uma escola que me
surpreendeu com a informação de que do seu programa constava a “educação dos
sentidos”. Foi uma decepção. Confundiram “educação dos sentidos” com
informações científicas sobre anatomia e filosofia dos sentidos. Há
oftalmologistas cegos como há também especialistas em audição surdos. À sutil
arte de fazer amor com os quadros, Bachelard chama a nossa atenção: “ O que se
vê não pode se comparar com o que se imagina.” O prazer de uma tela se encontra
na provocação que o visível faz ao imaginário. Barthes observou que erótico é o
espaço do decote que sugere sem mostrar. A erótica da tela não se encontra no
que ela mostra, mas naquilo que ela sugere. Mas, para se perceber o que não é
mostrado, é preciso que a imaginação saiba voar.
O que disse sobre a educação do olhar vale também
par ao ouvir, o cheirar, o degustar, o tocar.
Ensinar a pensar é ensinar o pensamento a dançar no
espaço em que as coisas que não existem, existem.
Autor: Rubem Alves

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