2 de set. de 2014



Educação dos Sentidos


Os sentidos humanos e os seus prazeres e alegrias andam pelo mundo das des-formações. Culinária é uma des-formação. Música é uma desformação. Pintura é uma desformação. Educar os sentidos é despertar neles possibilidades inventadas de prazer. Criar novas possibilidades de prazer. Brecht disse que o objetivo da ciência é aliviar a miséria da existência humana. Para mim, isso é necessário mas é muito pouco. Seria o mesmo que dizer que o objetivo da culinária é matar a fome. Sim, é preciso matar a fome. Mas o objetivo da culinária é tornar a fome ocasião de prazeres requintados. O olhar precisa ser educado. “Não basta abrir a janela para ver os campos e os rios. Não é bastante não ser cego para ver as árvores e as flores. É preciso também não ter filosofia nenhuma...”, disse Alberto Caeiro. Temos olhos e somos cegos. Somos castrados nos olhos. Nossos olhos não experimentam ereções. O visível não nos espanta. O trágico espetáculo das pessoas assentadas diante da televisão dá testemunho de que os objetos do mundo não nos excitam. Nietzsche via “0 aprender ver” como a primeira tarefa da educação. A educação do olhar passaria pelos poemas de Alberto Caeiro. Não vemos com os olhos. Vemos com as palavras. Para ver é preciso não ter filosofia... É preciso fazer calar as palavras para se ver com clareza. Os fenomenólogos perceberam isso. Visitei uma escola que me surpreendeu com a informação de que do seu programa constava a “educação dos sentidos”. Foi uma decepção. Confundiram “educação dos sentidos” com informações científicas sobre anatomia e filosofia dos sentidos. Há oftalmologistas cegos como há também especialistas em audição surdos. À sutil arte de fazer amor com os quadros, Bachelard chama a nossa atenção: “ O que se vê não pode se comparar com o que se imagina.” O prazer de uma tela se encontra na provocação que o visível faz ao imaginário. Barthes observou que erótico é o espaço do decote que sugere sem mostrar. A erótica da tela não se encontra no que ela mostra, mas naquilo que ela sugere. Mas, para se perceber o que não é mostrado, é preciso que a imaginação saiba voar.
O que disse sobre a educação do olhar vale também par ao ouvir, o cheirar, o degustar, o tocar.
Ensinar a pensar é ensinar o pensamento a dançar no espaço em que as coisas que não existem, existem.

Autor: Rubem Alves

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