Por que não me mudo para a Bahia
Há dois tipos de férias. O primeiro é quando o cavalo cansado, magro,
castrado, vai para uma campina verde, sem ninguém que lhe dê ordens,
sem hora para se levantar, sem nada para fazer, é só vadiar, pastar,
descansar, correr, dormir, fazer o que lhe der na telha! Que felicidade!
Bom seria que a vida toda fosse assim! Mas o tempo corre rápido.
Passadas duas semanas, descansado e gordo, é hora de voltar para onde
estava antes.... para o cabresto, cerca, arreio, carroça, esporas e
chicote, para isto que se chama realidade. É hora de retomar o trabalho
no lugar onde ele o havia deixado.
Ah Todo cavalo precisa de férias
para aguentar mais um ano de trabalho duro.... Descansar para trabalhar!
As empresas sabem disso. Se dão férias para os seus cavalos, não é
porque os amem em liberdade. É porque precisam deles na sua volta,
revigorados e trabalhadores, agradecidos à empresa que lhes dá férias. E
há mesmo os cavalos que, ao final das férias, começam a sentir saudades
do arreio e da carroça, querem voltar, porque se cansam da liberdade.
Todo mundo diz que quer liberdade. É mentira. A liberdade traz muita
confusão à cabeça. Melhores são as rotinas, que nos livram da maçada de
ter que tomar decisões sobre o que fazer com a liberdade. Quem tem
rotinas não precisa tomar decisões. A vida já está decidida. O cavaleiro
nem precisa puxar a rédea : o cavalo sabe o caminho a seguir.
O
segundo tipo é quando as férias produzem uma perturbação não esperada na
cabeça do cavalo. Aqueles campos verdes sem cercas começam a mexer lá
no fundo da sua alma, justo no lugar onde estava enterrado o cavalo
selvagem que ele fora um dia, antes do cabresto, do arreio e da
castração. E aí um milagre acontece: o cavalo selvagem morto ressuscita,
se apossa do corpo do cavalo doméstico, que vira outro e até reaprende
as esquecidas artes de relinchar, de empinar, de saltar cercas, de
disparar a galope pela pura alegria de correr, imaginando-se um ser
alado, Pégaso voando pelas pastagens azuis do céu e pulando sobre as
nuvens ... é tão bom ... E, de repente, deitado sob uma árvore, ele se
lembra de que está chegando a hora de voltar... Mas ele não quer voltar.
Quer ficar. Surgem então, na sua cabeça, perguntas que nunca fizera:
“Por que é que eu volto sempre? Será mesmo preciso voltar? Estou
condenado ao cabresto, arreio e castração? É isso que é a vida? Por
que voltar se não quero? Volto porque é preciso? Mas será preciso
mesmo? Minha vida não pode ser diferente?
Essas idéias malucas só
acontecem quando o cavalo está só com seus pensamentos. Férias em
solidão são perigosas. É por isso que muitas empresas fazem colônias de
férias para os seus empregados. Para que não fiquem sozinhos. Para que
não pensem pensamentos doidos. Juntos, eles pensam os pensamentos que
todos pensam. Pensamentos normais. Os de sempre. O mesmo. Sobre o que
conversam os cavalos domésticos nas colônias de férias? Eles conversam
sobre cabrestos, arreios, carroças, cavaleiros, carroceiros... E, assim,
os cavalos selvagens continuam enterrados...
Fonte: Alves, Rubem.Se eu pudesse viver minha vida novamente....São Paulo:Verus,2004
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