26 de ago. de 2014



Transfiguração
 
Poesia é transfiguração da alma. Por meio dela se restabelece o vínculo entre o adulto e a criança que existe em nós. Transfigura-se o adulto e revela-se a criança. Nisso está à beleza. Adultos transfigurados, desprovidos de máscaras, iluminados em sua inocência primeira.
Feliz do homem crescido que se deixa mostrar pequeno. Dele o Criador fará sacramento, depositará em seus olhos infinitos sonhos e lhe dará asas para ir além dos muros que a realidade lhe impõe.
E atrás dos transfigurados vamos nós. Queremos vê-los, ouvi-los e, nos seus sons, tons e palavras, depositar os cansaços que nos assombram. Sua arte nos descansa.
Tenho diante de mim um verso de Helena Kolody: “Meu nome, desenho a giz no muro do tempo. Choveu, sumiu”. A temporalidade é a matéria-prima do seu lamento. Um misto de dor e contentamento me invade de maneira descompassada. Mas essa invasão me acalma. O verso simples da mulher paranaense, solteira e sem filhos é capaz de me levar a pensar a vida feito muro em que se escreve a giz.
O ato de passar não me assusta, apenas me contextualiza sem ilusões. E por isso posso repousar, pois não tenho o fardo da expectativa. Sou o que posso. E, sendo o que posso ser, transfiguro-me diante do muro em que meu nome está escrito. Não sou Helena, mas absorvo o seu poema, sua expressão léxica, existencial e admirável.
O seu escrito, por ora, torna-se meu. Aliena-se no sentir solitário que meu coração experimenta. Palavras que são minhas, oráculos germinados em outras bocas, frutos de outros campos, outras glebas, outros prados.
Na transfiguração poética de Helena, eu me reconheço. Toco-me e consolo-me. Um ato inocente, puro, expressão de cuidado e amor-próprio.
É bonito pensar na palavra como medicamento para a vida humana. A sonoridade do verso como instrumento que alivia a mais pungente dor, no ato de permitir doer. Deixa de doer, doendo aos poucos. Não ilude, não anestesia, mas dói para curar.
Muitas vezes, as palavras consolaram meu coração. Um poema de hora em hora é a prescrição médica que, por vezes, tenho o prazer de cumprir. Para os dias mais difíceis, para os momentos mais sofridos, essa é a melhor receita.

Livro: É sagrado Viver
Autor: Fábio de Melo

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