CONTOS


Meu sofrimento com os passarinhos

Passei muito tempo sem poder conviver com os meus passarinhos. Mas estando em Cachoeira do Campo-MG como diretor dos estudos na Escola Dom Bosco, pude voltar ao contato com os amiguinhos donos do canto. Cheguei a ter trinta gaiolas ao longo do pórtico do colégio. Os pais dos alunos internos sabendo do meu gosto me traziam canários cantores de cores e cantos diversos. Quando me transferi para Niterói, levei comigo quase metade dos meus passarinhos deixando-os ao cuidado de meu irmão Bosco que foi outro passarinheiro de profissão. Fiquei apenas um ano em Niterói e fui ser diretor de um colégio em Vitória-ES.
Lá tive uma grande decepção. Um amigo sabendo que eu era passarinheiro me deu um canarinho belga de cor branca. Dizia ele que o bichinho de tão bom chegava a incomodar. Era ver uma vesguinha de luz e começava a cantar sem parar. Levei-o para alegrar os professores do colégio. O passarinho confirmou sua performance. Era um encanto! Ficou lá em seu lugar no palco para cantar durante as refeições por dois meses. Um gatuno o levou, gente do colégio. Depois disso passei a curtir minha paixão durante sete anos. Achei que teria mais é que esconder minhas mágoas. Mas a ocasião apareceu e voltei a viver com passarinhos. Desta vez meu gosto mudou. Tinha curiós e um pássaro preto. Meus dois curiós tiveram a desventura de serem vítimas de um gato atleta, pois as gaiolas estavam na parede a três metros de altura. O pássaro preto cantador e amigo que perambulava pela casa toda, um dia apareceu todo molhado e tiritando de frio me contou a empregada. Ela para socorrê-lo esquentou o forno um pouco e o fechou lá dentro. Quando foi buscar o bichinho estava queimado. Passei algum tempo sem querer lidar mais com passarinhos. Mas paixão não se cura. Tendo mudado para um apartamento voltei a cuidar de passarinhos. Desta vez criando-os nas gaiolas. Dei muito filhotes para amigos. O belga além de grande cantor era um ótimo reprodutor. Recebia muitas reclamações em casa pelas palhas de alpiste que entravam casa a dentro, apesar de as gaiolas usarem saias para evitar esse incômodo.
Acreditem se quiserem: Chego em casa um dia e encontro as gaiolas vazias. Tinham soltado os passarinhos que na ocasião eram dois casais.
Confesso que o sofrimento foi maior que arrancar dente sem anestesia. Ninguém é obrigado a ter os mesmos gostos, mas respeitar os dos outros é imperativo de convivência.
O fato arrancou-me a paixão do coração. Eu que pensava que paixão não morre... Dizia-me um amigo que a pessoa não abandona o vício mas pode ser abandonado por ele.
Quanto aos passarinhos vivendo em gaiola, já Olavo Bilac poetou “o pássaro cativo”, mas solto por seu dono o adolescente comovido.

Hoje ouço cantos de passarinhos e tendo aprendido seu canto assobio em dueto com eles, que se aproximam atraídos pelo meu assobio. Não deixa de ser um consolo para os longos anos de os ter comigo bem perto, assiduamente. Até mesmo de hora em hora ouço canto de algum pássaro dentro de casa pelo relógio.

Contos de Paulo Motta
Livro: Memórias de um Seminarista


Pedagogia no Ensino de Línguas 

Primeira aula de francês. Quarenta ignorantes curiosos em aprender francês. 
O professor para animar os iniciantes nos disse que o francês é língua neolatina como o português e com ele se parece muito. Eu vou dizer umas frases, disse, e vocês verão que entendem. Assim: “la soeur de charite”. Prontamente sem traduzir disse outra: “l’es enfants sont três jolis.” Vamos ver se vocês entenderam. A primeira frase, um garoto mais afoito e falador logo disse: a sogra do charuteiro. Silêncio! A segunda frase quem entendeu? Outro aluno saliente com fama de sabe tudo se levantou seguro e solenemente disse: o elefante é tijolinho. O professor com tranquilidade disse: viram? Só que o entendimento correto é um pouco diferente: a primeira é a irmã de caridade. Risos e zombarias do garoto tradutor... a segunda se traduz como as crianças são muito bonitas. Gargalhadas... Ô elefante quedê o tijolinho. Foi difícil colocar ordem na sala. Os dois tradutores ficaram etiquetados: charuteiro e elefante... 
Pedagogia das arábias. Ficou provado que o francês é uma língua difícil e estranha. Parecia mais um trote nos novatos da aprendizagem, convencendo que eram analfabetos. 
Que julguem os pedagogos o professor sabichão e sua pedagogia de ensinar línguas. 
Hoje o ensino de línguas modernas exige a prática pedagógica que não humilhem os alunos mas os estimulem com paciência, escolhendo textos de interesse dos aprendizes. O que se disse do francês pode-se dizer do inglês. Outro professor propôs a seus neófitos a frase; Must we go far of. E outro corajoso logo traduziu o que se poderia esperar ouvindo os sons. Mastigou farofa. O lente disse: é quase isso. Nós precisamos ir longe.... O pobre do tradutor pegou logo o apelido de farofeiro. Imaginem, é muita pedagogia para ensinar.

Autor: Paulo Motta



O perigo do atoleiro 
Era um belo dia de domingo. O sol parecia convidar a passeios pelos campos. Eu estava numa fazenda pertencente a um amigo da família.
O fazendeiro chamou seu filho mais novo de doze anos e a mim, para levar o gado para um pasto que havia alugado por um dia. Para aliciar-nos prometeu-nos um dinheirinho para nossas farras.
Lá fomos nós tocando a boiada como vaqueiros experimentados...
O pai do meu companheiro avisou a ele que ficasse atento porque lá havia um atoleiro e o gado não deveria se aproximar. Ao por do sol deveríamos
voltar com o gado.
Durante o dia ficamos trepados em árvores, procuramos goiabas e comemos o bom lanche que dona Gertrudes, esposa do fazendeiro, tinha com abundância preparado para nós.
Quando se fez tardinha recolhemos o gado para a volta, afastando-o do atoleiro. Mas não é que um marimbondo picou um boi e ele desembestou pelo lado do atoleiro e ali afundou-se na lama!
Sem saber o que fazer, meu companheiro foi correndo chamar seu pai contando o que tinha acontecido. O Sr. Frâncico, era o  nome do fazendeiro, apanhou seu laço montou num cavalo e se dirigiu para onde estava o boi que só tinha de fora da lama a cabeça. Sr. Francisco amarrou o laço na cabeça do boi e outra ponta do laço na sela do cavalo. Colocou uma tábua no lamaçal para nós pegarmos o rabo do boi. Tocou o cavalo à frente para puxar o bicho atolado. O laço esticou todo, o boi se mexeu, mas o laço arrebentou. Teve que ser emendado. O fazendeiro que bebera uns goles de pinga proferia impropérios a mais não poder.
 Nós os meninos fizemos promessa de acender velas a São Sebastião para nos ajudar a retirar o boi do atoleiro e para não apanharmos do Sr. Francisco que já estava uma fera.

São Sebastião não falhou. A muito custo o boi saiu e nos apressamos em tocar  toda boiada de volta. Lá na sede nem sei o que aconteceu depois, pois peguei minha roupa e voltei para casa. Depois o Jaime, meu colega, me contou na escola que sua mãe não deixou seu pai lhe bater, mas a recompensa saiu pelo ralo jogada pelo danado do marimbondo. 


Trocando os presos

            Naquela noite estava de sentinela o soldado João, conhecido pelas suas malandragens que o levaram para a carceragem muitas vezes.
             Voltava um oficial já bem tarde da noite, um major, feroz perseguidor do pobre João. Foi entrando sem pedir autorização ao guarda. Cambaleava e cantarolava  sem sequer olhar para a guarda, como se diz do asfalto, querendo furar o sinal.
            Porém, parou assustado quando o guarda  lhe disparou um tiro de fuzil de admoestação próximo de seus pés. Assustado e irritado, perdeu o equilíbrio e caiu ao chão, levantando-se com dificuldade e com boca mole se identificou praguejando.
            No dia seguinte mandou prender o guarda, o soldado João, pelo atrevimento em tratar um oficial do EXÉRCITO BRASILEIRO.
             A prisão era por três dias. A isso o soldado já estava acostumado. O oficial era mau e vingativo, olhava os soldados como a ralé da plebe, parecia um nobre do tempo da Revolução Francesa com as “lettres de caché” ou ordem de prisão sem nenhum motivo de culpa.
Mas dessa vez foi diferente .
            Acontece que o general comandante do regimento, visitando os presos, quando viu João lhe perguntou: o que foi desta vez que você aprontou? Ao tomar conhecimento do fato da noite anterior, disse a João: Pode sair. Eu vou mandar para cá o major porque parece que ele não sabe o que é disciplina militar e as consequências de sua violação. Foi o que aconteceu.
            Quando encontrou o soldado, o major disse a ele que não sabia que ele tinha tanto poder e amizade com o comandante. Ao que João respondeu: quem cumpre seu dever não merece castigo e o senhor se esqueceu disso. Acho que agora vai maneirar suas perseguições.

            Os companheiros de João riram do caso até não poder mais e lhe disseram: “nunca imaginávamos que um camundongo conseguisse prender um gato”...

Autor: Paulo motta


Não sou eu não

A empregada da família era casada e tinha duas filhas. O marido queria um garoto. Disse à pobre mulher que se no próximo parto se ela lhe desse um machinho ele ficaria com ela, caso contrário iria embora.
A mulher engravidou pela terceira vez e rezava muito para nascer um filho homem. Quem diria, nasceu outra menina. A mãe ficou alucinada e rezava para que a menina virasse menino. Todos os dias esperava o milagre. Não recebeu o milagre. E o marido desapareceu. A pobre coitada com três filhas e empregada doméstica, pediu à patroa para dar suas filhas para alguém criar. Não foi difícil. A patroa ficou com a mais nova que precisava de sua mãe. As outras duas foram entregues para casais que ficaram radiantes com a presença de uma criança. As irmãs não ficaram mais se encontrando. Nenhuma delas sabia do paradeiro das irmãs. A pobre mãe se via aliviada, pois não tinha como criá-las.
A caçula estava em sua companhia mas era criada e cuidada pelos patrões que tinham para com ela todos cuidados que davam aos filhos.
A mãe sentia-se desobrigada de qualquer preocupação com as filhas. E se sentia na condição de solteira.
Passeava aos sábados e domingos visitando os parentes dos patrões ou em outros lugares em companhia de amigas.
Certa vez o patrão viajando por uma cidades próxima encontrou-a na gandaia com outras mulheres. E estranhou por vê-la gastando seu dinheirinho em festinhas com amigos.

Ao descer do carro chamou-a pelo nome para averiguar o que estava fazendo por ali. Quando começou a conversar a empregada vendo-se apanhada foi logo dizendo: não eu não, patrão eu sou outra pessoa.
Contos de Paulo Motta
Livro: Memórias de um seminarista



OS MENINOS CORAJOSOS


            O dois irmãos, uma menina de nove anos de idade e seu irmão de sete anos foram à cidade de Aperibé  comprar remédio na farmácia do Senhor Alceu.
            Da estação até a cidade havia duas pontes da estrada de ferro que eram o único  caminho. Feita a compra os meninos voltavam. Atravessaram a primeira ponte, caminharam pela ilha que separava as duas pontes e entraram na segunda ponte que era a mais comprida. Estavam no meio da ponte quando um trem de carga a toda velocidade vendo as crianças na ponte começou a apitar. Os dois irmãos se assustaram, mas o menino pegando a mão de sua irmã a levou até uma pilastra da ponte e disse para ela: não olhe nem para baixo nem para o trem, segure forte em mim.
            O maquinista ao passar pelas crianças gritou para eles: seus maluquinhos vou contar para o pai de vocês essa aventura perigosa. De fato ele conhecia o pai das crianças que era o chefe da estação onde o trem iria parar.
            Passado o perigo, os irmãos ainda assustados voltaram aos trilhos e diziam: “vamos fazer uma promessa porque escapamos do perigo e tivemos coragem e jeito de escapar”.

            Fica provado que os anjos da guarda acompanham e protegem as crianças. Pena que nem sempre as famílias ensinam seus filhos a rezar a seu anjo zeloso guardador que sempre os guardam, protegem dos perigos e os defendem do mal, iluminando seus caminhos para casa.

Contos de Paulo Motta

O MENINO QUE IA VIRAR SABÃO...

A família ia se despedir de um filho seminarista que deveria seguir para São Paulo. Eram ao todo onze pessoas. Além dos pais, uma amiga bem gorda, e oito filhos na idade de 2 a 14 anos. Era uma tropa!
Viajavam de trem e o tempo era chuvoso. A meta era a cidade de Cachoeiro de Itapemirim e a chegada era prevista para as dezoito horas, mas tendo caído uma barreira na estrada, o trem chegou somente às duas da madrugada. Dezoito horas de viagem. Todo mundo moído de cansaço... Quando ainda em casa a irmã mais velha, Mariinha, tinha dito para os mais novos que deveriam andar sempre de mãos dadas na cidade para não se perderem, pois havia um carro que pegava os cachorros e crianças perdidos nas ruas e levava para fazer sabão.
Chegados ao destino o pai se dirigiu com a família para procurar um hotel, deixando na estação as malas e um filho de sete anos para ficar vigiando, que ele voltaria para levar em seguida a bagagem mais pesada que ali ficava.
O menino admirado com as manobras dos trens, máquinas e vagões indo e vindo, apitos, ficou absorto. Ele era filho de chefe de estação e nunca vira tanta movimentação nos trilhos. 
O pai voltou depois de algum tempo, pegou as malas e foi ao encontro da família já localizada no hotel, sem reparar que o menino não o seguia. O garoto quando olhou e não viu nem as malas nem o pai, corria por toda a extensão da plataforma de um lado
para outro procurando seu pai, e não o achando se viu sozinho. Então começou a chorar. Um soldado que estava ali de serviço foi ao encontro do menino, mas este corria com medo do soldado, porém, este o alcançou e perguntou por que estava ali sozinho e chorando. O menino contou sua desventura. O soldado se prontificou a ir com ele ao encontro dos pais e irmãos, pois tinha reparado aquela numerosa família, inclusive a presença de uma senhora gorda. Mas o menino não aceitou a ajuda do policial, dizendo: o senhor quer é me levar para a carrocinha para me fazerem sabão. O militar e outras pessoas que ouviam a conversa começaram a rir da resposta do menino e se perguntavam onde ele ouvira esta estória de fazer sabão de menino perdido.
Então várias pessoas juntas foram acompanhando o menino até seus pais. Quando alcançaram, o soldado perguntou ao pai se não tinha perdido um filho.
O pai começou a chamada de um por um. Não faltava ninguém, mas o soldado disse: esse aqui, e apontou para ele, ia virar sabão...
Aí foi a gozação de todos em cima do pobre coitado que se distraíra com os trens e acreditara na invenção de Mariinha.
Moral da estória: “Não se educa através do medo.”

Paulo Motta
Livro: Memórias de um Seminarista




Descendo a Serra da Mantiqueira

Serra da Mantiqueira, nome indígena que significa serra que chora. O nome traduz á abundância das nascentes que dali brotam.
No mais alto desta serra está a cidade de Campos de Jordão a 1.625 m de atitude, cercada de florestas e morros. O local oferece um verdadeiro paraíso de trilhas que levam a lugares de belezas incomparáveis.
Doze seminaristas passavam suas férias numa pousada de propriedade do seminário. Deviam lá permanecer por quinze dias descansando dos trabalhos escolares.
Numa noite, apenas no terceiro dia da estada o chefe da excursão, um padre anunciou, após as orações rezadas seguidas de silêncio até o dia seguinte que dois dos doze seminaristas deveriam deixar o grupo e voltar para São Paulo, onde estava o colégio onde todos trabalhavam.
Os dois ficaram sem saber a razão do que parecia um castigo por alguma falta muito grave. O chefe não quis dar satisfação aos dois indiciados.
No dia seguinte os afastados do grupo tomaram o ônibus da linha para São Paulo. Naquele tempo a estrada não era asfaltada, e como se tratava de descer a montanha, havia muito barro após as chuvas anteriores. Imagine-se o estado de espírito dos viajantes, que sequer tomaram o café da manhã.
Durante a viagem aconteceram dois fatos que distraíram os ânimos de todos, mas particularmente dos dois seminaristas em estado quase de depressão.
O primeiro deles foi quando uma senhora passando mal no ônibus, vomitou pela janela. Logo em seguida gritou para que o ônibus parasse, pois tinha deixado cair alguma coisa de sua bolsa. Parado o ônibus, a senhora desceu e foi procurar o que caíra pela janela e quando voltou o motorista lhe perguntou se achara o que tinha perdido. Ela respondeu que sim e que o objeto era a sua dentadura que já estava na boca.
Mas adiante já descida a serra, o ônibus parou por defeito desconhecido. Depois de meia hora os passageiros perguntaram ao motorista o que acontecerá, e o que ele respondeu que talvez o coletivo tinha soltado algum parafuso. Depois de longa espera os passageiros viram duas pessoas transportando aos ombros um enorme cilindro de aço, que era nada mais nada menos que o eixo de transmissão do ônibus. Apesar da chateação dos viajantes a risada foi geral quando um gaiato gritou que nunca tinha visto um parafuso tão grande...
A viagem seguiu sem outros transtornos até São Paulo, naturalmente com um bom atraso.
Os dois seminaristas seguiram para o colégio onde trabalhavam, e perguntaram ao diretor a razão do comportamento do chefe da excursão ao excluí-los do grupo. A resposta recebida foi que se o chefe assim agira tinha lá suas razões e que os dois aprendessem uma lição que vigora no seminário e no Exército: “os meus superiores sempre têm razão”.

Claro que a lição não foi aprendida visto que toda pessoa merece respeito e consideração ainda que seja de seus superiores.

Contos de Paulo Motta
Livro: Memórias de um Seminarista 




Demonstração de coragem




      Ele era um adolescente e estudava num colégio religioso. Sua namoradinha conversando com ele num grupo de amigos, brincou com ele perguntando se ele teria coragem de ir ao cemitério à noite. O rapaz disse: Medo, só de gente viva, quem já morreu está debaixo da terra.

Mas eu quero prova de que você foi ao cemitério...

O adolescente conversou com mais dois colegas que toparam a aventura. Contaram para o padre diretor a aventura sobre almas de outro mundo e coisa e tal. O diretor chamou a atenção do grupo porque poderiam ser identificados como ladrões de cemitério e que o fato era inédito, uma menina pedir uma demonstração tal de coragem.

Tomaram um pouco de conhaque para aumentar a coragem e lá pelas vinte e uma horas foram os heróis. Deixaram o carro de fora, pularam o muro e ei-los com uma lanterna á mão até chegar no centro juntinho à capela.

Lá se lembraram de rezar uma Ave Maria pedindo proteção. Falavam sobre a paz do cemitério e diziam, isso aqui não é paz é o silêncio da morte.

De repente a conversa deles despertou um defunto que saiu da cova... Os três saíram correndo, pularam o muro e até se machucaram.

No dia seguinte foram conversar com o diretor do colégio. Estavam ainda apavorados.
O padre os tranquilizou explicando que se tratava do vigia do cemitério que certamente dormia numa cova nova e vazia e acordou com a conversa deles e naturalmente iria ver se eram ladrões. Eu avisei a vocês... As almas estão na mão de Deus e não vêm incomodar ninguém. Acho que a experiência de vocês, apesar do medo, valeu para superar as fantasias de mortos amedrontarem os vivos. 
Certamente contaram às meninas que lá estiveram e que  lá o silêncio domina tudo. Nem parece que abaixo da terra estão os mortos. Só os monumentos a eles é que impressionam, parecendo estar vivos.
O que há de mais bonito é olhar para cima e ver o céu estrelado.
Assim os medrosos se mostraram poetas olhando as estrelas...
                                                                                                     Paulo Motta
 

Meu Cajueiro




Eu era adolescente quando li um belo conto: meu cajueiro, do escritor Humberto Campos. Comparei com a história de minha infância vivida nos galhos das goiabeiras, nos pés de jenipapo e de tamarindo. Foi meu primeiro contato refletido sobre o amor e a generosidade das árvores que, acolhedoras, me fizeram sonhar, sentindo-me um privilegiado comandante da nau de minha vida.
Seus galhos eram braços e abraços...
A ternura de suas sombras, a firmeza de seus troncos crescidos e ainda no ventre da mãe-terra, nascidos e não nascidos totalmente. Folhas soltas ao vento, cabelos verdes cuidados pelo sol, suas flores polinizadas  pelas aves que nelas encontram seu néctar e a energia para suas experiências esvoaçantes. As flores se transformam em frutos, degustados  pelas aves e insetos e pelos homens e usados até como sucos. São lembranças adolescentes, guardadas no íntimo do coração ou na mente, que retira de seu arquivo, pedaços e momentos que compõem, uma existência tornando-a unificada e com sentido do novo e do velho num só momento

o melhor momento, o momento presente.

          Hoje a vida me trouxe milhares de árvores, encanto de meu olhar deslumbrado. Não há cajueiro, nem as árvores da minha infância. Elas moram em mim como amigas de aventuras passadas e venturas de uma idade de ouro tão bem vivida.
                           
                                                                                                                            Autor: Paulo Motta


Casamento em Apuros

 

 Um deputado estadual marcou seu casamento a ser realizado na capela do colégio onde estudara e pediu ao padre celebrante que não demorasse muito no sermão porque sua ex-namorada estaria presente e disse que o mataria na igreja...
No dia do casamento havia seis policiais em trajes civis colocados estrategicamente no corpo da igreja enquanto se desenrolava a cerimônia do casamento. O noivo estava inquieto, suava e olhava para os lados tentando verificar se tudo estava normal. O padre naturalmente estava um tanto preocupado. Se houvesse tiros, ele estava também na mira... As pessoas presentes demonstravam preocupação com o casal, embora algumas soubessem da estória do antigo namoro do deputado e da revolta dela pela escolha de outra moça que não ela. Perder um partidão daquele!... Mas tudo decorreu sem transtornos e os noivos, agora casados, saíram da Igreja ao som de música e foram receber os cumprimentos no salão de festa Não dou notícia porque não fui à recepção...

Outro casamento por mim presidido apresentou um conteúdo diferente..
Os noivos já tinham catorze anos de casa- não- casa. O problema era que o noivo tinha fobia de aglomeração, mas a noiva não abria mão de casar na Igreja e de véu e grinalda. Afinal marcaram o dia, escolheram a Igreja de São Judas Tadeu (santo dos desesperados...) e o padre para celebrar o casamento, que era primo da noiva. Esta avisou ao padre que segurasse o noivo no presbitério porque ele era capaz de fugir. O padre fez o que pôde conversando mais de meia hora para distrair o possível fujão. Meia hora é um tempo razoável para demora da noiva. Acontece que ao chegar à porta da igreja a noiva percebeu que tinha esquecido seu buquê em casa.
Ela morava na Tijuca e não duvidou em ir buscá-lo. Ida e volta significava hora e meia. E o padre esperando e segurando o noivo. Mas o estoque de conversa já tinha acabado e o jeito era...contar de novo? E o noivo já suado e a igreja cheia. A conversa agora era: VOU-ME EMBORA!
Com a ajuda de Deus achei outro viés para a conversa, ao descobrir o gosto do rapaz, pelo futebol. Deu certo. Ao todo ficamos esperando duas horas pela princesa.
Ao final do casamento, após a música de praxe, ouviu-se um animado:
ATÉ QUE ENFIM, ATÉ QUE ENFIM, ELES DISSERAM O SIM.


                                                                                                                          Autor: Paulo Motta

 

Joãozinho e Maria

          No seminário de Boa Esperança, Jaciguá-ES, os próprios seminaristas é que cozinhavam, orientados e supervisionados por Dona Judite. Semanalmente havia revezamento da turma, sempre de seis.
          De certa feita um dos componentes era um menino de apenas nove anos. Encarregado pelos colegas de lavar as panelas, quando foi a vez de lavar a de arroz que era a maior e com muita rapa, o moleque achou mais fácil entrar na
Vasilha para trabalhar mais à vontade e como era muito pequeno adaptou-se bem.
Seus colegas quando o viram assim imaginara reproduzir a cena da bruxa com Joãozinho. Puseram água e sal na panela, chamaram Dona Judite para mexer com sua vassoura levando a panela ao fogo.
          O garoto a princípio gostou da brincadeira, mas quando viu que acendiam o fogo se apavorou e danou a chorar. Foi quando apareceu o seminarista assistente (eu) e vendo a brincadeira virando judiação, mandou tirar o menino da panela.
          Este saído do suplício de se tornar cozido se abraçou ao seminarista e perguntou se eles iriam comê-lo de verdade...
Mas o teólogo o tranquilizou dizendo que tudo era de brincadeira. Mas o garoto disse que a água já estava esquentando e se o ele não chegasse eu ia virar um leitão cozido.
          Os colegas riam e riam e Dona Judite disse para o garoto que ela não era bruxa não e já ia desligar o fogo quando o padre chegou. “Sei lá Dona Judite eu tenho minhas dúvidas disse o garoto”, “Menino, está me chamando de velha bruxa? Eu tenho lá cara de mulher montada na vassoura? Só hoje é que descobriram? Então não sou bruxa não”.
          Lembrando este acontecimento do passado não sei qual foi o estrago na cabeça da criança ou se ela conseguiu superar o susto que lhe deram quando era tão criança. Os limites, eis a questão. Nem sempre são respeitados.   


Autor: Paulo Motta



Passeio perigoso

            O pequeno seminário em Boa Esperança, distrito de Jaciguá-ES foi o cenário de um acontecimento que por pouco não foi fatal.

            Os meninos do seminário foram convidados para um lanche em casa do tio de dois dos seminaristas. A distância a percorrer do colégio até a casa era de oito quilômetros.

            A certa altura da caminhada um dos sobrinhos da casa disse aos professores que levavam os meninos, que o caminho poderia ser encurtado em dois quilômetros passando-se  pela estrada de ferro. Os professores concordaram com a idéia, pois sabiam que o pai do garoto era chefe da estação e conhecia bem toda a estrada. O problema veio quando apareceu o túnel de mais de quinhentos metros que estava no percurso. E se viesse algum trem? Mas não havia nenhum barulho que dissesse que era horário de passar trem naquele momento. Alguém até pôs os ouvidos no trilho para detectar barulho. Nada escutou.  Todos entraram no túnel. Logo apitou o trem avisando a todos que não entrassem no túnel. Era tarde... A composição de vagões passou apitando seguidamente, pois vira gente dentro do túnel. A meninada, trinta e um e dois professores assustados e tremendo, naturalmente devem ter se encostado nas paredes do túnel...

            Quando o trem passou, os professores foram contar seus pupilos. Estavam todos, gloriosos de terem enfrentado o monstro. O problema seria quando o superior do colégio soubesse da imprudência dos vigilantes...

            Naturalmente que a volta ao seminário foi pelo caminho mais comprido. Mas todos tinham como contar o que fizera para escapar do trem. Guardar para suas vidas essa aventura do tempo de criança, isso todos certamente guardaram. No túnel do tempo passamos por  perigos semelhantes pessoalmente ou em grupos e de todos nos livramos não por acaso mas com criatividade e experiência.
Autor: Paulo Motta



Medo de ficar rico


 O fato se deu em 1970. Eu trabalhava como professor no Liceu Salesiano na Cidade de Belo Horizonte. Fiz um joguinho na loteria esportiva. À noite fomos conferir os resultados. Eu já tinha acertado em onze jogos. Faltavam dois jogos que estavam em andamento. E de repente junto com a emoção me veio um medo. E se eu ganhar? Nem pensar. Comecei a torcer contra mim mesmo. Imaginem, que faria com a grana? Os colegas sabiam e acompanhavam os dois jogos...
Teria que entregar o prêmio para a Diretoria do Colégio. Eu ainda tinha voto de pobreza...Ficar com o dinheiro e procurar outra vida, como fiz depois, mesmo sem ganhar na loteria? Então teria saído da congregação por causa do dinheiro Nunca tinha me apegado ao dinheiro.    
Meu primeiro salário eu recebi já fora do seminário aos quarenta e dois anos de idade. Sendo de família humilde e pobre e tendo entrado com dez anos no seminário o dinheiro sempre passou longe de mim. Não nego que ocupei cargos de direção e de administração financeira durante quinze anos mas sempre me considerei pertencente à classe operária, apesar de cargos e posições ocupados nunca me imaginei rico nem desejo ser. É muita amolação ser rico...
Não tenho notícias das pessoas que ganharam grande sorte em jogos, mas imagino que tiveram que mudar de endereços para terem paz e reorganizar suas vidas. Isso sem falar nos perigos de assaltos em casa ou fora dela.
O melhor do mar não é a praia, mas além de onde se formam as ondas, ali o nadador bóia e fica na dele... Também em sociedade a classe média é a melhor posição para se viver. Há os surfistas sociais que enfrentam as grandes ondas do mercado e se saem bem, mas outros caem na água e podem se afogar ou precisar ser socorridos. 
Paulo Motta





Falta de memória



             

              O professor foi transferido para outra cidade e foi lecionar em outro colégio. Sentiu saudade dos amigos, pois não conhecia quase ninguém e como não era casado sentiu de perto a solidão. Danou a escrever cartas para os amigos do magistério e de convivência social do outro colégio de onde viera. Às vésperas do dia das mães, lembrou-se da esposa de um dos amigos e mandou-lhe cumprimentos pelo dia da festa de sua maternidade. Ao fim do ano voltou à cidade de onde tinha saído para curtir os amigos. Um deles lhe disse: “cara você criou uma confusão familiar que pode acabar em divórcio”.  Como assim? Perguntou o outro. É que você mandou uma carta  pelo dia das Mães endereçada a sua amiga, mas colocou o nome da amante de seu colega. Você fez de propósito? Que é isso companheiro ? Mas como é mesmo o nome dela? Verdade! Que besta fui...

                Daí para frente o amigo nem sequer foi mais procurado. Explicar? O que? Como? Era mesmo melhor deixar tudo à distância e procurar esquecer o fato, como se não houvesse acontecido.

            Um fato desses não tem correção. Nem sei se o tempo sabe como apagar o acontecido ou ensinar como não perder a memória das pessoas. Diz o provérbio,mate o homem mas não troque seu nome. E eu era ainda relativamente novo para esquecer, mas a falta de contato pode em parte justificar a gafe tão ridícula que o destino me pregou, coincidir o erro do nome justamente com um nome sigiloso de uma amante.Mais que gafe foi mesmo azar, e que azar.

                                                                                                                                                 Autor: Paulo Motta




  Ética e Trapaça


O sociólogo Peter Berger escreveu livrinho delicioso: 'Introdução à Sociologia'. Um dos seus capítulos tem um título estranho: 'Como trapacear e se manter ético ao mesmo tempo'. Estranho à primeira vista. Mas logo se percebe que, na política, é de suma importância juntar ética e trapaça. Para explicar vou contar uma historieta que demonstra bem o que quer dizer o autor: Havia numa cidade dos Estados Unidos uma igreja Batista. Os batistas, como se sabe, são um ramo do cristianismo muito rigoroso nos seus princípios éticos.Havia na mesma cidade uma fábrica de cerveja que, para a igreja Batista, era a vanguarda de Satanás.O pastor não poupava a fábrica de cerveja nas suas pregações. Aconteceu, entretanto, que, por razões pouco esclarecidas, a fábrica de cerveja fez uma doação de 500 mil dólares para a dita igreja. Foi um auê. Os membros mais ortodoxos da igreja foram unânimes em denunciar aquela quantia como dinheiro do Diabo e que não poderia ser aceito.
Mas, passada à exaltação dos primeiros dias, acalmados os ânimos, os mais ponderados começaram a analisar os benefícios que aquele dinheiro poderia trazer: uma pintura nova para a igreja, um órgão de tubos, jardins mais bonitos, um salão social para festas. Reuniu-se então a igreja em assembleia para a decisão democrática.
Depois de muita discussão registrou-se a seguinte decisão no livro de atas: 'A Igreja Batista Betel resolve aceitar a oferta de 500 mil dólares feita pela Cervejaria na firme convicção de que o Diabo ficará furioso quando souber que o seu dinheiro vai ser usado para a glória de Deus'.


Autor: Rubem Alves




Piracema ou Piração?


E me veio uma ideia de que eu gostei...
A marca de que a gente gostou da ideia é um discreto sorriso no canto dos lábios, sorriso que não dirigido a ninguém, gratuito, sem nenhuma intenção, alegria pura, revelação de que a gente estava brincando sem que ninguém percebesse. E isso pode acontecer em qualquer lugar: na cozinha, no ônibus, na privada, bem no meio do sermão do padre, bem no meio da reunião do partido, bem na frente do chato que não para de falar... Isto é que é bom sobre as ideias: elas são brinquedos que carregamos no bolso e, sem que os outros percebam, começam a brincar com a gente...
Pois uma idéia feliz me aconteceu. Pensei que o corpo se parece com um rio. Como o rio, ele nasce em lugares altos e inacessíveis, são poucos o que têm a felicidade de ver o lugar de onde ele sai, entre as pernas abertas da terra. Nasce como um fiozinho de água, em meio a pedras cobertas de limo, samambaias, avencas e orquídeas. Ali o silêncio é grande. Porque o silêncio é grande se ouve muito – ouvem-se o borbulhar da água, o barulho do vento nas folhas das árvores, o pio do pássaros e, se prestarmos atenção, até o barulho das asas das borboletas. Quando o silêncio é grande mesmo, nas noites estreladas, ouvem-se o pulsar luminoso do brilho das estrelas e o pulsar milagroso do sangue correndo nas veias.
Aí eles vão correndo, o sangue nas veias e o rio na terra, descendo sempre, de queda em queda, sem jeito de voltar atrás  -rios não sobem morro, não há cachoeiras ao contrário, o tempo corre numa direção só... E o rio vai se alargando, dizendo adeus ao mistério das montanhas, chega às planícies, engorda como os homens que moram às suas margens, desaprende as brincadeiras de menino, fica vagaroso, arrasta-se pesado, os homens entram nele com seus barcos e esgotos, ele suporta tudo sem reclamar, nem sei se guarda memórias da infância...
Deve guardar, pois os rios também pensam. Se você não sabia, fique sabendo.

Autor: Rubem Alves
Livro: Um céu numa flor silvestre



Estórias de princesinhas

Minha mãe me contava a estória de uma princesinha que fora enfeitiçada por uma bruxa malvada resultando que ela, ao falar, de sua boca saltavam répteis moles, frios e viscosos. Ela só sabia dizer “cobras e lagartos” e quem a ouvia tinha de se conformar em “engolir sapos”. Como ninguém mais conta essa estória eu resolvi reescrevê-la do meu modo. Acreditam em tudo o que é sempre repetido por todos, ainda que seja uma asnice.
Linda gostou tanto de ser assim admirada por todos que acabou por fazer-se objeto de admiração para si mesma. Ela se declarou então sua “fã número 1”, igualzinho a Narciso. Colocava-se diante do espelho mágico que herdara de sua falecida tia ( que Deus a tenha! ), a madrasta da Branca de Neve, e dizia a si mesma: “Sou sua fã número um”. Passava o dia inteiro fazendo ao espelho a mesma pergunta que sua tia fazia. “Espelho, espelho meu, haverá no mundo princesa mais linda do que eu?” O espelho nem respondia. Ficava repetindo, abobalhado: “Linda! Linda!” Ah! Como ela amava o seu espelho! Se pudesse se casaria com ele.
“Cabeça vazia é charco, criadouro de saparia”.

Autor: Rubem Alves

Livro: Um céu numa flor Silvestre

 
Tornei-me um contador de estórias


Eu sou um contador de estórias. Descobri-me um contador de estórias contando estórias para minha filha pequena.
As estórias se formam da mesma maneira como se forma a pérola dentro da ostra. Ostras felizes não fazem pérolas. É preciso que um grão de areia entre em sua carne mole. O grão de areia a torna uma ostra infeliz. Para livrar-se da dor do grão de areia, a ostra pacientemente o envolve com uma substância lisa, sem arestas e redonda: a pérola. E é assim também que nascem as estórias, como as pérolas. Minha filha nasceu com um defeito facial. Eu contava estórias para transformar essa dor em beleza. Mas, para isso, era necessário que tivesse poderes de feiticeiro. Estórias são rituais mágicos...
Essa sugestão me veio por meio da leitura do livro O nascimento da tragédia, de Nietzsche. Ele observou que os gregos por oposição aos cristãos, tinham uma visão trágica da vida.
Tragédia era tragédia, sem solução. Não havia um final feliz.
Os cristãos, ao contrário, incapazes de enfrentar a tragédia, inventaram um final feliz. Tudo se resolve satisfatoriamente no mundo após a morte. As tragédias são sempre provisórias, um penúltimo capítulo. Acho revelador que Dante tenha dado a seu poema cristão o título de A divina comédia. Nietzsche se pergunta, então: como explicar que os gregos, assim dominados pelo senso da tragédia, não tenham desenvolvido um tédio pela vida que levaria ao suicídio? Como explicar a sua exuberância? Como explicar a sua alegria, a despeito da tragédia? E ele sugere: os gregos transfiguram a tragédia por meio da beleza. A beleza não elimina a tragédia. Ela permanece com toda a sua dor. Mas, quando a dor se torna bela, ela perde  a capacidade de nos destruir. Rilke, nas Elegias de Duíno, disse que o belo é o terrível que contemplamos, sem que ele nos destrua.
Assim, os homens voltavam sempre ao teatro para de novo ver, ouvir e sofrer a estória trágica. Ao final, eles estavam com o rosto coberto de lágrimas e sorrindo...

Autor: Rubem Alves



AMOR & AMIZADE



" Perguntei a um sábio ,
a diferença que havia
entre amor e amizade,
ele me disse essa verdade...

O Amor é mais sensível,
a Amizade mais segura.
O Amor nos dá asas ,
a Amizade o chão.
No Amor há mais carinho,
na Amizade compreensão.
O Amor é plantado
e com carinho cultivado,
a Amizade vem faceira,
e com troca de alegria e tristeza,
torna-se uma grande e querida companheira.
Mas quando o Amor é sincero
ele vem com um grande amigo,
e quando a Amizade é concreta,
ela é cheia de amor e carinho.
Quando se tem um amigo
ou uma grande paixão,
ambos sentimentos coexistem
dentro do seu coração."

 

William Shakespeare



As três Peneiras de Sócrates

Um homem foi ao encontro de Sócrates levando ao filósofo uma informação que julgava de seu interesse:
-Quero contar-te uma coisa a respeito de um amigo seu!
-Espere um momento – disse Sócrates. Antes de contar-me, quero saber se você passou essa informação pelas três peneiras.
- Três peneiras? Nunca ouvi falar sobre elas!
- Vamos então peneirar aquilo que você  quer me dizer.
Devemos sempre usar as três peneiras. Se não as conhece, preste atenção. A primeira é a peneira da VERDADE. Você tem certeza de que isso que vai me dizer é a mais pura verdade?
- bem, foi o que ouvi os outros contarem. Não sei exatamente se é verdade.
Continuou Sócrates:
- A segunda peneira é a da BONDADE. Com certeza, você deve ter passado a informação pela peneira da bondade. Ou não?
Envergonhado, o homem respondeu:
- Devo confessar que não.
- A terceira peneira é a da UTILIDADE. Você pensou bem se é útil o que veio me falar a respeito do meu amigo?
-Útil? Na verdade, creio que não é.
-então, disse-lhe o sábio, se o que você quer me contar não é verdadeiro, nem bom, nem útil, então é melhor que guarde apenas para si.
“ A bondade é o humano que toca o Divino”

Livro: Era uma vez...

Autor: Dom Gregório Paixão, OSB



O ESPAÇO DOS CONTOS DE FADAS



A partir da segunda metade do século 20, dentre as atividades escolares, a Literatura infantil passou a ser valorizada não só como fonte de prazer e entretenimento, mas também como o grande agente formador da visão de mundo dos pequenos aprendizes. Devido a esse duplo valor, o “contar histórias” vem ganhando espaço nas atividade educativas com as crianças.

Numa primeira fase, são privilegiados os Contos de Fadas devido à sedução de suas histórias e, principalmente, pelo fato de testemunharem a “aventura humana” através dos séculos. Essa nova proposta pedagógica não foi aceita de imediato. Muitos analistas das áreas de Ensino puseram em dúvida o interesse que esses velhos contos poderiam ter para as crianças nos nossos tempos de internet, repletos de incríveis magias cibernéticas. Aos poucos, porém, as barreiras foram vencidas.

Há urgência de se estimular o desenvolvimento das potencialidades humanas desde o nascimento. Sem dúvida, a “varinha mágica” que deve ser usada pelos pais, mães, familiares ou responsáveis pelo nenê é a palavra. É através dos sons e falas ouvidos à sua volta  é que o nenê vai descobrindo o mundo que o rodeia, desde os entes mais familiares até os mais diversificados seres ou situações, que, com o tempo, ele descobre ao ouvir histórias ou folhear belos livros de figuras, cujos nomes alguém lhe vai ensinando. É através da palavra que a consciência individual constrói sua relação com o mundo. E a partir daí, na construção dessas relações eu - mundo, a Literatura Infantil e, principalmente, os Contos de Fadas revelam-se como grandes agentes de formação.

A leitura dos contos infantis, sem dúvida, preparará os caminhos da atividade criativa na idade adulta. É um ótimo exercício da imaginação

que se desenvolve melhor na idade infantil. Quem não leu os gibis na sua infância pode-se dizer que perdeu muito dessa idade de ouro em que o adulto vai se formando com sonhos que viram realidade na mente e na vida.



Revista: Família Cristã

Ano 77 N° 904
  


O SENTIDO DA VIDA


O sentido da vida: não há pergunta que se faça com maior angústia, e parece que todos são por ela assombrados de vez em quando. Valerá a pena viver? A gravidade da pergunta se revela na gravidade da resposta. Porque não é raro vermos pessoas mergulhadas nos abismos da loucura, ou optarem voluntariamente pelo abismo do suicídio por terem obtido uma resposta negativa. Outras pessoas, como observou Camus, se deixam matar por idéias ou ilusões que lhes dão razões para viver: boas razões para viver são também boas razões para morrer.
Mas o que é isto, o sentido da vida?
O sentido da vida é algo que se experimenta emocionalmente, sem que se saiba explicar ou justificar. Não é algo que se construa, mas algo que nos ocorre de forma inesperada e não preparada, como uma brisa suave que nos atinge, sem que saibamos donde vem nem para onde vai, e que experimentamos como uma intensificação da vontade de viver a ponto de nos dar coragem para morrer, se necessário for, por aquelas coisas que dão à vida o seu sentido. É uma transformação de nossa visão do mundo, na qual as coisas se integram como em uma melodia, o que nos faz sentir reconciliados com o universo ao nosso redor, possuídos de um sentimento oceânico – na poética expressão de Romain Rolland -, sensação inefável de eternidade e infinitude, de comunhão com algo que nos transcende, envolve e embala, como se fosse um útero materno de dimensões cósmicas.

Ver um mundo em um grão de areia
e um céu numa flor silvestre,
segurar o infinito na palma da mão
e a eternidade em uma hora
(Blake)

Mas o sentido da vida não é um fato. Num mundo ainda sob o signo da morte, em que os valores mais altos são crucificados e a brutalidade triunfa, é ilusão proclamar a harmonia com o universo, como realidade presente. A experiência religiosa, assim, depende de um futuro. Ela se nutre de horizontes utópicos que os olhos não viram e que só podem ser contemplados pela magia da imaginação. Deus e o sentido da vida são ausências, realidades por que se anseia, dádivas da esperança. E talvez seja esta a grande marca da religião: a esperança. E talvez possamos afirmar, com Ernest Bloch: “Onde está a esperança, ali também está a religião.”

Autor: Rubem Alves

Livro: Transparências da eternidade


NA FILA DO BANCO



 Um homem encontra uma amiga no banco, com seu bebê de poucos meses no colo. Ela ainda está meio abobalhada de felicidade com o primeiro filho. Por isso, quer que o amigo compartilhe essa felicidade, segurando a coisa linda nos braços. É o que ele faz, acompanhando o gesto com os comentários maravilhados e enternecidos que manda a boa educação.
O homem ia pagar uma conta no banco, e a fila estava enorme. Examinando as placas acima dos caixas, percebeu que o banco oferece atendimento preferencial para idosos, deficientes físicos, gestantes e pessoas com bebê de colo.
O homem então pede à sua amiga para segurar o bebê por mais cinco minutos, passa à frente dos desbebezados, faz seu pagamento e devolve a criança à mãe, que o chama de aproveitador de inocentes e diz que não está criando filho para ser furador de filas.
Não sei como as pessoas da fila não perceberam sua falcatrua e não lhe deram umas bolachas que ele bem merecia...

Livro: Você e as circunstâncias
Autor: Artur Eduardo

Pág. 76/77

Escrevi uma prece muito simples


Escrevi uma prece muito simples, que sempre fiz pela manhã, durante minhas orações. Eu a repetia como um voto, promessa que me obrigava a cumprir. É assim:

“Não terei medo de ninguém sobre a terra.
Temerei apenas a Deus.
Não terei má vontade para com ninguém.
Vencerei a mentira pela verdade,
E na minha resistência à mentira”.


Aí está o meu caminho, resultado de uma longa busca, em meio às humilhações. Ah! Como o corpo clama por vingança, depois da afronta. Senti o seu fascínio, quando a cólera brotava dentro de mim. Mas era nessas horas que eu ouvi as palavras do Bhagavad Gita:

“Da perturbação dos sentimentos, vem o erro;
do erro, a ruína da razão;
da ruína da razão, nasce a morte”.

“Você se lembra?
A vingança é doce por um momento, mas seu fim é amargo. Acontece que eu desejava a vida.
Quanto tempo se leva para cortar uma árvore? Uns poucos minutos e tudo está terminado. Mas, para sentar à sombra da árvore que se está plantando, muito tempo terá de passar. Terá de haver uma longa espera, e paciência. É sempre assim. Os caminhos da morte são mais rápidos. Por eles, andam os que têm pressa. Já os caminhos da vida são vagarosos. É preciso caminhar na esperança... matar o inimigo é muito fácil. Mas transformá-lo num amigo é coisa difícil e incerta, que requer muita coragem. Posso, pela intimidação, obrigar que os outros me deixem andar na mesma calçada, viajar no mesmo trem, hospedar-me no mesmo hotel. Mas ela nada pode fazer com os olhos. Lá ficam, duros e maus, cheios de ódio, à espreita, na emboscada, aguardando o momento da vingança. Eu não queria vitórias como essas, que misturam o ódio ao ar que se respira”. Daí, a minha prece.

Poderão dizer que os caminhos que escolhemos são lentos, os frutos tardam e quando amadurecem são poucos. Dirão que o mundo não é satyagraba, que a realidade é outra... Eu só posso responder: se assim não for, valerá a pena viver? Quem poderá ter paz de espírito num mundo em que a violência tem sempre a última palavra: Creio em Deus. E isso me garante que não pode existir nenhum desejo do coração que, sendo puro em sua impaciência, não venha, um dia, a ser atendido. Tenho paciência. Esperarei por esse dia...

Autor: Rubem Alves

Livro Reverência pela vida

A caça-fantasmas nos anos 70
 
Lorraine Warren conta como descobriu a habilidade que a tornou celebre dos anos 70 e que acabou virando filme recentemente.
Diz ela: Estudei em uma escola particular católica para meninas, onde comecei, aos 12 anos, a ver luzes ao redor das pessoas. Um dia eu disse a uma das freiras que a sua luz era mais forte que a da madre superiora. Isso me rendeu um castigo de três dias, sem poder falar ou brincar. O pior é que eu não podia contar o que via aos meus pais, com medo que eles não entendessem ou ficassem chateados comigo. Guardei tudo para mim até completar 16 anos, quando conheci Ed, meu marido, que foi o único a me entender, pois ele cresceu em uma casa mal-assombrada, dos cinco aos 12 anos. Por isso, se interessou em investigar os fenômenos comigo. Ed queria ajudar as pessoas que enfrentaram o mesmo que ele. Quando criança, Ed costumava ver o fantasma de uma senhora no armário do seu quarto e ouvir a batida de uma bengala no solo, a mesma que o seu avô falecido tinha.
A escritora conta que em sua casa foi criado o “Occult Museum” no porão de sua casa. Talvez este lugar tenha sido o mais mal-assombrado do mundo por reunir objetos trazidos, ao longo dos anos, de casas mal-assombradas. Muitas delas por séculos. Todos os itens lembram casos que foi investigando por mim, sendo muitos deles peça-chave nas manifestações. Daí porque pedimos aos visitantes não tocarem em nada. O pior deles é a boneca Anabela, trancada num armário de vidro por ter machucado muita gente. Eu mesma passo diante dela sempre muito rapidamente e nunca ouso parar para encará-la.


Revista: Galileu n°266

PATINHO FEIO
 
Hoje de manhã, o menino de uns seis ou sete anos, com seu rosto gracioso, moreno, sujo, esfarrapado, estava sentado no asfalto frio, encostado ao muro de uma casa na esquina. Calado, compenetrado, estava remexendo em seu bolsos. Aceitava as esmolas sem uma palavra, com uma dignidade silenciosa, nem ligava para as pessoas que jogavam seus trocados na espécie de boné na frente dele. Havia na cena algo de definitivo, expressava apática perfeição.
Virava o rosto (porque não tinha outro caminho). Perco minha sensibilidade pra a alegria, para a beleza absurda da vida, perco a minha suscetibilidade para comigo mesmo.
Perco o excedente que possuía, o meu excedente de vida, onde reside minha riqueza, a fonte em potencial da criação;meu ser é único digno de ser mencionado e que se manifesta (mas porque é importante que se manifeste?...) viver anacronicamente, ou seja, nas dimensões grandiosas de uma só vida e de uma morte imprevisível, rápida, como alguém que recebeu um único e curto verão entre duas vidas, lânguidas vidas de larva.

Livro: Eu, um outro
Autor: Imre kertész

Pg. 98/99


UM CASO INTERESSANTE
 
Embora ganhasse a vida como ourives, todos sabiam que ele, pela graça de Deus, nascera músico. Era justo, portanto, que todos o tratassem como “maestro” Tonico, seu nome completo sendo Antônio Martins de Araújo. Que não se tratava de figura lendária provam os seus instrumentos de trabalho que examinei pessoalmente, os de ourives, rústicos, mas, sobretudo, o diapasão fiel que continua hoje s vibrar o “lá” da mesma forma como o fez vibrar na cidade de Goiás Velho, lugar onde vivia o maestro. O que faz um músico não é o instrumento, é o ouvido, e o ouvido do maestro Tonico era perfeito.
Tão forte era a música no corpo do maestro Tonico que todos os seus seis filhos nasceram músicos. A explicação mais provável para essa aparente coincidência é que, talvez, no momento supremo do ato de amor, o maestro deveria estar sonhando com alguma música. Violino, clarineta, flauta, bandolim, cítara e violoncelo faziam uma bela orquestra doméstica. E essa era a felicidade suprema do maestro Tonico: ver os filhos juntos, afinados, tocando sob o comando da sua batuta.
Bach tinha algo em comum com o maestro Tonico. Era um modesto organista numa cidade do interior. Nunca teve fama ou reconhecimento. Um dos seus patrões se refere a ela, numa carta, como “músico medíocre”. Tinha por obrigação semanal compor peças sacras para a liturgia do culto luterano. Suas composições, uma vez executadas, eram esquecidas e guardadas em canastras e estantes em algum quarto da igreja. Surpreendido pela morte no meio da composição da Arte da fuga, ninguém ligou para o que deixara escrito. Seus manuscritos foram vendidos para um açougueiro que os usava para embrulhar carne. Mendelssohn, por acaso, foi comprar carne do tal açougueiro. Mas ele logo se desinteressou da carne, assombrado com o que Bach foi descoberto no lugar mais deprimente do mundo: embrulhando carne num açougue. Graças a Deus que Mendelssohn não era vegetariano!

Livro: As melhores crônicas de
Rubens Alves

Pg. 14/15


BEM AVENTURADOS OS MANSOS

 
Neste mundo da angústia e do prazer
De busca de nós mesmos sem descanso
È milagre, Senhor, chegar a ter
Tão livre o coração que seja manso.

No frenesi tão calmo que uma gota
De silêncio que goteja no seu fundo
Tão claro no interior que sempre brota
Fonte de gozo límpido e profundo.

Eu procuro, Senhor, a mansidão
Como terra de novo sempre arada
Como um lento buscar sem amargura.

Uma espera da chuva e do verão
Morosa gestação, funda e calada,
De uma forma de ser doce e madura.



Autor desconhecido.


MENINOS PERALTAS

 

Meninos vivendo em apartamento ainda que espaçosos não conseguem
brincar como desejariam. E mesmo quando têm brinquedos para jogar em grupo, fazem tanta algazarra que precisam ser contidos.
O condomínio de um prédio proibira o uso da garagem para andarem de patins, além do perigo da presença dos carros o barulho era demais para os
moradores do primeiro andar. Quando o porteiro lhes lembrava a proibição
não ouviam a recomendação..
Uma brincadeira de mal gosto e que lhes causava grande alegria era jogar
saquinhos de água nas pessoas que passavam na rua. Às vezes erravam sua pontaria e o passante conseguia escapar, porém quando acertaram um senhor, este olhou para cima para ver de onde partia os saquinhos que estouravam no chão ou na cabeça de alguém. Foi até a portaria do prédio
e queria subir até o andar de onde partiam as bombas de água. O porteiro impediu, mas chamou o síndico para conversar com o queixoso. Tomando conhecimento do fato (os pais são os últimos a saber) prometeu levar o incidente aos pais dos traquinas. Estes quando souberam da reação do homem,se amedrontaram e perceberam o mal que tinham feito e o perigo que  tinham corrido. Ai se te pego...
O síndico resolveu convocar a meninada do prédio para uma conversa bem
séria sem querer tomar conhecimento de quem partira a idéia de jerico...
O fato nunca mais se repetiu e os atores tiveram que inventar outras aventuras. O estoque de criatividade da molecada para isso é incrível.  


Paulo Motta


Fim de ano


            Era o último dia de aula. Os alunos ficavam dispensados de usar o uniforme colegial. Dia de despedida, a camisa virava papel para os autógrafos. Na saída do colégio corria um córrego canalizado, com um metro de largura. Dezembro é época das chuvas. O córrego estava cheio e a brincadeira de jogar colegas na água se generalizou.

            Um filho de um ministro do Tribunal de Contas do Estado, ao contrário de seus colegas que foram mais à vontade para o último dia de aula, apareceu de terno e gravata. Não escapou da brincadeira e se lavou todo nas águas do córrego.

            O diretor do colégio quase foi também jogado na correnteza de batina e tudo.

O pai do garoto almofadinha se dirigiu ao diretor e disse: “admiro que o senhor sendo um educador admita e participe desse trote de mau gosto.” O diretor lhe respondeu que ele pensava como adulto e não entendia o gosto de adolescentes. A brincadeira seria lembrada ao longo de suas vidas como um dia diferente. Para evitar abusos é que eu estava presente.

            O tempo passou. O diretor foi lecionar na faculdade de Direito Federal. Lá foi companheiro do doutor, pai do aluno que foi jogado no córrego de terno e gravata.

            O doutor disse ao ex-diretor: sabe que o senhor tinha razão? Quero me retratar do que disse naquela ocasião. O senhor era uma autoridade madura, era mais compreensivo e vivia a vida dos adolescentes como um deles. O senhor estava certo.Para compreender os jovens a gente tem que se por lugar deles e não impor sem mais a própria visão dos fatos.

Não é fácil lidar com adolescentes conhecidos como aborrecentes, mas se vivemos com eles  nós os compreendemos e somos por eles compreendidos, quando lhes mostramos os limites necessários na busca de suas liberdades.
 

A disciplina


            O garoto de onze anos era levado, mas inteligente. Na aula de matemática foram entregues de volta os trabalhos que o professor seminarista havia corrigido, o aluno percebeu que tinha acertado as questões julgadas erradas. Ao levar para a constatação do mestre este não quis levar em conta e disse que permaneceria a nota dada, seis, pois foram duas questões equivocadas na correção pelo professor. Este, como Pilatos, disse que tinha riscado, riscado ficaria. a nota seis permaneceria então. O aluno chegando de volta ao seu lugar na carteira, fez justiça com as próprias mãos. Fechou o seis que virou zero e acrescentou à frente o número um. Seu colega de carteira acusou-o ao professor e este nervoso tomou o caderno e desenhou uma grande esfera em toda página do caderno. Mas o rebelde arranjou um espaço para colocar um pau vermelho à frente... Acusado novamente pelo mesmo colega, desta vez o mestre virou fera e quando ia dar um soco no delinqüente este se abaixou, e o professor bateu sua mão na carteira que recebeu o soco no lugar do aluno.O danado do menino foi esperto. Resultado: “pra fora e nunca mais volte à minha aula”. Por um mês à hora da aula de matemática, o pequeno herói ia para o pomar esconder-se nos galhos de uma laranjeira aguardando o tempo da aula passar para então se ajuntar aos companheiros para a aula seguinte,.

            Quando houve uma fiscalização na escola o fato veio à tona. O aluno foi reintegrado à turma na aula de matemática e ainda ganhou presente do inspetor que se entristeceu com a injustiça do religioso, além de ter aplicado castigo tão desproporcional com as normas educativas.

            A deduragem de um colega causou efeitos acima do esperado, pois mostrou o despreparo pedagógico de um professor em lidar com alunos e reconhecer os direitos de quem os tinha. Mas fica claro que, quem sofre uma injustiça não se esquece do fato que lhe trouxe dissabores. Por parte do mestre deve ter sido humilhante ter que reconhecer  seu erro e ainda ver à sua frente diariamente o traquinas que ousou apontar seu erro como educador e mestre.





Autor: Paulo Motta
 



Restos da revolução de 1932


            O colégio dos padres na cidade de Lorena, de nome S.Joaquim, foi requisitado pelo governo paulista para acolher os soldados. Os combates se deram na fronteira do Estado de São Paulo com o Estado do Rio.

            Muito tempo depois, cerca de dez anos, os alunos estudando noutra cidade de Lavrinhas, de nome S. Manoel, rodeada de morros, gostavam de procurar lembrança de balas detonadas,cartuchos e até granadas. E mais de uma vez foram encontradas granadas que não tinham explodido e eram entregues à autoridade. Necessário dizer que antes desse procedimento alguns adolescentes curiosavam o artefato, com perigo de detoná-lo. Mas a vigilância do professor acompanhante estava atenta para impedir qualquer desatino

            O colégio de Lorena recebeu uma triste lembrança da hospitalidade das tropas. Havia tantos percevejos nos colchões e nas camas que foi necessário entregar velas para queimar os bichos fedidos que sobreviveram mais de anos, apesar da limpeza semanal a fogo.

            Na igreja do colégio de Lavrinhas foi encontrada uma bala de canhão que não explodiu, bem diante da estátua de Nossa Senhora Auxiliadora.

 Morreram  muitos soldados por lá mas a paz se fez, os efeitos, porém da luta fratricida duraram, mostrando que a violência nunca consegue bons resultados, ficando suas consequências nas gerações posteriores.

Entre os alunos havia certa animosidade entre paulistas e mineiros justamente pela memória desta revolução em que seus Estados estavam em lados opostos.

A canção “Na serra da Mantiqueira”, quando cantada, ainda fazia chorar alguns ouvintes, pois a canção lembra a morte de um jovem paulista filho único de sua mãe viúva, soldado da tropa paulista morto ali bem perto, nos morros da região.



Autor: Paulo Motta
 

Por conta do chefe

Brasil Edital do trem de alta velocidade (TAV) atrasa 15 dias | Notícias-Ferroviárias Português | Scoop.it
            Um empregado da estrada de ferro, meu irmão, admitido como arquivista, era solicitado a fazer coisas outras bem diferentes, como servir café, buscar correspondências, limpar o chão. Mas o maluquinho, como era conhecido pelos colegas, não era de fácil tratamento. Quando mandado para fazer outras coisas, lembrava a seus superiores que tais coisas não faziam parte de seu ofício, arquivista..
            Isso irritava seus superiores. Por tais comportamentos foi transferido do Rio para uma estação próxima de Juiz de Fora. Claro que o empregado esperneou dizendo que sua família morava no Rio e não podia mudar com ele. Não adiantou, o castigo foi aplicado. O maluquinho não se deu por achado, continuava resoluto dentro de sua área e sempre lembrando seus direitos.
            Certa vez foi reclamar com o chefe que a comida não era boa, dizendo a ele: o senhor não come o que nós comemos...
            Uma vez, botou uma barata morta na quentinha e levou ao chefe... Daí para frente vendo que a reclamação não surtia efeito partiu para outra. Disse ao chefe do restaurante que passaria a comer ali e no fim do mês mandaria a conta para a chefia.
Quando o chefe recebeu a conta disse ao empregado: pagarei, mas vou descontar no teu pagamento. Novamente o empregado desafiado disse que era seu direito comer como gente e não como bicho. E mais: se o senhor fizer isso não ficará bem para o senhor. Você me ameaça? De feito nenhum, apenas levarei a conhecimento de sua mulher o que o senhor faz com sua amante.  O seu diabo! Você anda vasculhando minha vida? Não doutor, aqui todo mundo sabe, só que eu negocio o silêncio com o senhor.
            Você é péssimo empregado. Não doutor, eu sou pequeno e sou pisado. Mas não calo. Vou te devolver para o Rio de onde te mandaram para cá. O senhor fará justiça e fará bem a si mesmo.

Autor: Paulo Motta
 


Inauguração do banho de piscina
Houve uma transferência de alunos de um colégio para outro. Em um faltava o espaço e noutro sobrava. Num dos colégios havia uma piscina porque havia falta de água para os banheiros. Eram duzentos alunos.
            Quando chegaram os transferidos, foram logo recebidos para um banho de piscina. Eles não tinham calções, mas foram orientados que pegassem emprestado com os alunos antigos.  Foram orientados também como deviam proceder. Iriam para a piscina de calção, enrolados num cobertor.Para pular ou entrar na água, sempre em silêncio, haveria palmas do chefe de disciplina. Tudo bem! Batidas as palmas, cobertores ao chão e todos pulam na água. Um aluno ao mergulhar ficou pelado sem calção porque era largo para ele. A água era meio turva e não foi fácil encontrar a peça que cobria suas vergonhas como dizia Vaz de Caminha.
            Mas de repente, o silêncio foi rompido quando alguém gritou: tem alguém morrendo afogado!  Os bons nadadores foram socorrer o colega e o retiraram da piscina. Bebera um pouco daquela água e perdera a fala. Feita a massagem em sua barriga, botou água pelo nariz e ficou bem logo em seguida. Que foi um susto, foi, e que susto, para ele e para os outros.
            Perguntado se sabia nadar, disse que não. Então como pulou na água? Não disseram que era para pular,então, eu também pulei...
            Obedecer tem como limite o bom senso, e a segurança. Autorização não é ordem!
A lição foi aprendida. Água é para peixes e para quem sabe nadar. Brincar com água é tão perigoso como brincar com fogo. O fogo queima, a água afoga. O pior é que não havia no seminário aulas de natação. Quem não sabia nadar era um frustrado que tinha que tomar seu banho nos poucos chuveiros existentes que eram usados só para os padres e seminaristas professores.
Não é bom esquecer o ritual que precedia o banho de piscina. Os rapazes vestiam seus calções, enrolavam-se em cobertores e, passando por uma ponte que ligava a piscina ao prédio esperavam o sinal de retirar os cobertores e em seguida pular na água. Admirável é que tomavam banho, de cada vez cem pessoas;era mais gente do que água...Esta era corrente mas não o suficiente para renovar o sujo; por isso a piscina vez ou outra apresentava cor meio esverdeada...Que tempos, que época. Como diria Cícero o orador romano:”Oh tempora, oh mores”, em suas catilinárias.

Autor: Paulo Motta
 

O roubo do cabrito
            O padre tinha um quintal junto à residência na igreja. Ali ele plantava uma pequena horta e tinha umas árvores frutíferas. O interessante ou até intrigante é que no pequeno quintal ele tinha alguns animais que ganhava de amigos fazendeiros.  Para começar, lá estava num engradado, uma jaguatirica. Havia um casal de carneiros branquinhos e já bem criados. Estes seguiam o padre até na igreja e se deitavam para assistir a missa do presbitério. Mas de vez em quando queriam dar marradas aos fiéis que freqüentavam a paróquia. Tartarugas eram também moradoras do ambiente. Um casal de cabritos faziam parte do rebanho caprino e ovino.mas a cadelinha de nome  mimi era a fiel acompanhante do  velo pároco.
 Sobre a jaguatirica, um fato se deu de certa gravidade.
O padre estava na procissão do Senhor Morto. Dois alunos do colégio queriam ver de perto a oncinha. Aproveitando a ausência do padre, pularam o muro e se dirigiram à jaulinha que tinha uma grade de arame. Abaixaram-se para ver o animal. Este, pelo buraco da grade enfiou sua pata e feriu a cabeça de um deles. Foi uma sangueira. Foi preciso seu companheiro ir avisar o padre para poder chamar um enfermeiro ou médico. O padre perdeu a compostura e deixou a procissão. Foi ver o acontecido. Treze pontos no couro cabeludo...
Outro fato se deu quando três professores do colégio que funcionava junto à igreja combinaram roubar um cabrito do padre e comê-lo. Uma camionete A-10, ficaria encostada ao muro do lado de fora e um professor pegaria o cabrito; os de fora avisariam o momento para  jogar o bodinho muro abaixo, assobiando. Tudo certo! Não. O professor com o cabrito ficou esperando o sinal do assobio e não obtinha a resposta para jogar o fruto do roubo. Com a demora do sinal e  com medo de o padre aparecer, jogou o cabrito muro abaixo. O animal caiu em cima de um cidadão que tinha escolhido o local para soltar suas fezes... Com o cabrito caído nas  suas costas,sentiu  o maior susto e fugiu com as calças na mão. A camionete não encostou no muro justamente para esperar o fim do trabalho  do agachado...
O cabrito fugiu na escuridão, mas foi achado e preso. E, a cabritada acabou na madrugada!
. No dia seguinte, o padre deu falta do caprino. E, o sermão da missa foi sobre o furto do seu cabrito, terminando com uma maldição... Os ladrões morreriam naquele ano. Não morreram... Cabrito bom é o que é roubado...
Autor: Paulo Motta


O IDIOTA 

Uma pessoa está num estádio de futebol, acompanhando um jogo transmitido pela TV para o Brasil inteiro. Ao seu lado há um idiota com um cartaz no qual está escrito “Galvão, mostra eu na Globo”. O idiota pede ao vizinho que segure o cartaz um instantinho só, um instantinho que, claro, é suficiente para o cinegrafista da Globo filmá-lo como um idiota capaz de qualquer idiotice para aparecer um instantinho só na televisão.
Claro que o pedido seria atendido mas o rapaz não exibiu o cartaz com a inscrição, pois estava prestando um favor solicitado de segurar o cartaz. As pessoas vendo-o com o cartaz imaginaram tratar-se de um autêntico idiota como o que lhe pedira o favor. Mas aparece outro idiota de verdade e lhe pede emprestado o cartaz. O homem vendo que o dono não aparecia deu-lhe o cartaz. Quem o segurou acho que se cansou de esperar de se tornar celebridade global. Porém, quem espera alcança. E não é que o Galvão mandou focalizar... Mas alguém disse ao homem prestativo que o Galvão era incentivador de bobos alegres se mostrando no vídeo da Globo para contrastar com os jogadores, astros do povo.

Livro: Você e suas circunstâncias (texto modificado)
Autor: Artur Eduardo
Pg.13


Ex-morador de rua carrega o mundo na bicicleta
 
Ele foi sugado pelas palavras. Quando botou os olhos em A Revolução dos Bichos, obra-prima de George Orwell, a vida de Robson Mendonça mudou. Ele é gaúcho, de Alegrete. Foi morador de rua. É apaixonado pelas letras e se interessou pelo livro. Depois quis ler outros, mas não tinha aceso ás bibliotecas públicas porque não tinha comprovante de endereço. A falta de um pedaço de papel o afastava de prateleiras recheadas de papéis e idéias. Incomodado, ele deixou o Sul, desembarcou em São Paulo e montou num triciclo capaz de carregar um mundo inteiro.
Da criatividade de Robson surgiu a Bicicleta “Nasceu de um sonho meu de que todos pudessem ter acesso à cultura sem burocracia, sem controle”, explica ele. Ali, na garupa equipada com um baú com centenas de livros, Robson carrega 150 quilos de Truman Capote, Lima Barreto, Graciliano Ramos. Todos os dias pedala e estaciona no centro da capital paulista. As obras foram doadas por parceiros do projeto. Todas estão disponíveis para moradores de rua. Quem quer ler pega o livro, pode passar para frente ou desenvolver para a Bicicloteca. Quando uma pessoa recebe a doação, passa facilitar a busca por parentes.
Robson acredita no poder da leitura para a transformação do ser humano. Ele é a prova viva. Graças aos livros, reconstruiu a vida. Deixou a ruas mas depois voltou, só que para ajudar.

Autora: Laís Duarte
Revista: Brasil N°163 Ano 14 Pg. 8


VOCÊ E O VILÃO
 
Um padre o convenceu uma pessoa a fazer papel de vilão em uma peça infantil cuja renda reverteria para as obras assistenciais da igreja.
O homem envergou estoicamente o figurino do seu personagem: roupa preta, cartola, vasta bigodeira postiça, capa até os pés e um texto que lhe deveria parecer um vilão de verdade de espantar as  crianças.
Engano seu que seria uma peça divertida. Durante a encenação, o texto mostrava a malignidade do seu personagem. A representação eletrizou a platéia de modo surpreendente. Os gritos de susto, os aplausos para a mocinha indefesa, os apupos para o vilão e suas tramóias sórdidas, as advertências para o mocinho nas cenas em que ele corre perigo – tudo isso era novidade, uma novidade que o espanta e arrebata. O ator nunca imaginou que instigar a imaginação e a fantasia das crianças fosse tão emocionante. E caprichou... Estava tão eletrizado quanto elas.
Mas  no desenrolar do drama, o entusiasmo do público vai aumentando além do recomendável. Crianças ameaçam invadir o palco e salvar pessoalmente a mocinha de suas garras malignas. Será que seu desempenho estava sendo realista demais, pensou. Não seria o caso de substituir o método Stanislavski de interpretação pelo distanciamento brechtiano? Tarde demais. O artista improvisado incorporou o vilão que parecia de verdade.A magia do teatro já impregnara sua alma, ele estava inteiramente absorvido pelas nuances e motivações do seu personagem canalha.
Mas a efervescência do público chegou ao ponto de combustão. Por fim, as mães não conseguiram conter seus fedelhos, que queriam interferir na trama e fazer justiça com as próprias mãos. A invasão do palco tornou-se incontrolável. Logo o vilão ficou cercado de moleques, levou beliscões e pontapés de todos os lados. Metade do seu bigode foi arrancado.Ele tentou  fugir,  mas tropeçou na capa e caiu. O mocinho, num momento de dramaticidade inédito no teatro, intercedeu a favor do vilão, mas não foi atendido. Enquanto mães subiam ao palco e arrastavam os filhos de volta, uma nova falange de justiceiros avançou. O espetáculo foi interrompido. O vilão fez bem seu papel mas o enredo foi mudado e as crianças todas participaram e a peça ficou até melhor.

Livro:Você e as circunstâncias
Autor: Artur Eduardo
Pg. 38/39


CASTIGO DE DEUS
 
Um homem está fazendo compras numa mercearia onde um sujeito, alegando urgentes problemas intestinais, implora ao dono para  lhe emprestar a chave do banheiro. O dono argumenta que para aquilo que ele está querendo não pode emprestar a chave, porque o estabelecimento só tem um banheiro, pequeno e sem ventilação. O sujeito pergunta, com certa lógica, para que serve então um banheiro, se não pode ser usado para um fim comum. O dono avisa que não vai dar a chave, e o sujeito diz que Deus vai castigá-lo pela maldade..
A discussão é interrompida quando dois assaltantes armados entram na mercearia e trancam os três, o dono e fregueses e o sujeito com problemas intestinais no tal banheiro pequeno e sem ventilação.
Enquanto os ladrões roubam o estabelecimento os fregueses tentam convencer o sujeito com problemas intestinais de que ele fez maldade com o dono da mercearia. De repente, percebem que alguém esta com cheiro de dejetos de intestino nas calças. E fede..,E falta ventilação. Não podendo mais resistir, imaginam que os marginais já se foram. E pé na porta para forçar a saída, e lá se vai a porta e sua tranca. Os assaltantes já tinham feito a coleta desejada e se mandaram Ficaram os prejuízos.
Um dos fregueses se prontificou a comprar um short para o homem que enchera suas calças e anunciara um castigo de Deus.
Claro que foi mera coincidência mas o dono da mercearia  aprendeu uma dura lição, pela falta de sensibilidade para com as necessidades alheias..


Livro:Você e as circunstâncias
Autor: Artur Eduardo

 


A BORBOLETA AMARELA
 
Rubem Braga viu uma borboleta revoluteando em pleno tráfego das ruas do Rio de Janeiro, driblando carros e pedestres. Resolveu seguí-la, e disso resultaram três belas crônicas que deram título ao livro A borboleta Amarela, publicado em 1955.
Mais de cinquenta anos depois, um sujeito vê uma borboleta amarela voando pelo centro da cidade e, tal como o Braga, põe-se a seguí-la. Desiste depois de cinco minutos de esbarrões em pedestres irritados, protestos de operários, de um garoto chamado a atenção da mãe para o coroa doidão caçando borboleta na rua. Parece o Dirceu do Bem Amado. Um boboca atrás deu uma borboleta e apanhando dela. Ainda bem que ele era bobo e não pegou. O que ele queria fazer com ela? Como há gente malvada, mãe...

Livro:Você e as circunstâncias
Autor: Artur Eduardo
Pg. 110



CACHORRO VAI PARA O CÉU?
 
Tenho um amigo que é pastor de uma igreja presbiteriana no Rio de Janeiro. Parte da missão de um pastor é esclarecer as dúvidas espirituais que porventura possam advir da leitura confusa das Sagradas Escrituras. Pois ele foi procurado por uma senhora já bem velha, solitária, que morava sozinha e tinha como amigo de todas as horas o seu cãozinho, também já velhinho. A aflição da senhora tinha a ver com o fato de que ela acreditava na Bíblia como consolo. Pois houve um texto que a apunhalou: o escrito no livro de Apocalipse, capítulo 22, versículo 15. nenhuma das passagens terríveis das Sagradas Escrituras a havia abalado. Ela as lera e ficara em paz... Mas esse mínimo versículo havia abalado o seu mundo. Porque esse versículo enumera aqueles que não poderão entrar no Paraíso: “... Fora ficam os cães, os feiticeiros, os impuros...”. “Reverendo, então o meu cãozinho, meu único amigo, não entrará comigo no Paraíso?” Não foi fácil convencer a velhinha. Í aí o pastor teve a ideia de inovar a imagem dos rebanhos de ovelhas. Centenas de ovelhas pastando, os lobos à espreita, o pastor sozinho não dá conta, mas os cães estão sempre atentos. Eles são bons. Eles guardam as ovelhas. Por isso os pastores amam os cães. Pastores, ovelhas e cães entrarão todos juntos no Paraíso...

Autor: Rubem Alves
Livro: Pimentas
Pg. 90/91


MALANDRAGEM REFINADA


Família numerosa é quase uma sociedade...

Eram doze filhos, oito homens e quatro mulheres.

Os meninos não eram levados, eram terríveis.

A mãe dividia o cuidado deles com suas duas filhas

mais velhas. Os filhos mais novos eram os mais endiabrados. Dizer que não paravam em casa é muito pouco. Rua, rio, pomares, trens, pessoas passantes, eram os motivos das façanhas deles. Não havia um dia que não chegasse em casa alguma reclamação da patota. O lugar de onde provinha poucas reclamações era a Escola. A professora, única para três classes, tinha um jeito de tratar seus pupilos que tudo deles conseguia. Convenhamos que sua melhor arma era a sua beleza. Era linda demais, todos achavam. Mas vamos a uma malandragem dos garotos. A irmã que cuidava dos mais novos tinha um namorado. Seus irmãos a vigiavam e não saiam de perto deles.

Certo dia o namorado apareceu de terno todo branco de linho e com gravata. Dois dos irmãos tramaram um jeito de mandar o frajola embora. Tinha chovido no dia anterior e havia barro na rua. Um deles fez uma pelota de barro e jogou-a no terno do namorado. E correram. Conseguiram seu objetivo. O moço se despediu e foi embora. A irmã ficou chateadíssima pela má educação dos irmãos.

Um dos irmãos, o que jogou o barro, encontrou o

namorado de sua irmã numa ocasião e este o pegou pelo pescoço dizendo: e agora seu moleque vai me jogar mais barro? O garoto não se deu por achado e disse. Não fui eu que joguei barro no senhor foi o Francisco. Eu sou o Bosco. Então você diz a teu irmão que qualquer dia eu o pego, e largou o rapaz. O moleque chegou em casa

rindo e disse a seu irmão:usei seu nome para

me livrar do rapaz que namora nossa irmã.

Então te cuida... Oito rapazes em casa, como o pobre almofadinha iria adivinhar quem era quem?

Por essa e por outras a irmã acabou tornando-se Freira...



Paulo Motta


 

A resposta de São José
 
Catarina, uma jovem e piedosa costureira tinha muita devoção a São José, aprendera com sua mãe. Na igreja de sua pequena cidade, havia uma bela imagem de São José, a quem ela visitava todos os dias, após a missa. Sua mãe ficou viúva cedo e, por isso, viviam as duas com a avó e se mantinham à custa das costuras de ambas. Catarina ainda menina, habilidosa e inteligente aprendeu com elas a costurar e bordar com perfeição.
O ateliê precisou diminuir o trabalho pela doença da avó. Catarina abandonou o emprego para cuidar dela como sua enfermeira. Sua avó gastou suas economias com a doença. As costuras da mãe já não bastavam para o sustento das três, aparecendo então dívidas para pagar. Melhorando a saúde da avó tentaram recuperar o trabalho das costuras, porém as encomendas não apareciam.
Catarina teve uma idéia: enviar uma mensagem a São José pedindo ajuda na solução do problema de trabalho. Ela tinha uma pombinha muito mansa que vinha até suas mãos. Um dia escreveu um bilhete para São José e amarrou no pé da pombinha pedindo a ela para levar. A pombinha voou muito longe e quando voltou não tinha mais o bilhete no pezinho.
No dia seguinte apareceu na casa da família uma senhora que perguntou se elas costuravam e bordavam, visto que sua filha iria completar 15 anos e precisava encomendar várias costuras feitas com arte. Disse a Catarina que um senhor de idade foi a sua casa e informou o endereço de uma família que costurava muito bem. A principio Catarina não queria aceitar devido ao luxo da senhora e ao numero de trabalhos a fazer. Mas, em seguida lembrando-se de seu pedido resolveu aceitar e quando a senhora saiu começou a chorar, contando para a mãe e a avó o que tinha acontecido. Quando o vigário ficou sabendo falou ao povo sobre o poder de São José.
A paróquia cresceu muito com a freqüência das pessoas para rezar ao Santo Patriarca da Sagrada Família.

Autora: Barbara Honório
Revista: Arautos do Evangelho Ano 2012 pg. 46-47 
 

As trapalhadas de uma viagem
 
Saímos do aeroporto de Goiânia onde hoje está o bairro com o mesmo nome.
Vim prestar exames de suficiência na então faculdade de Filosofia da PUC-GOÍAS que funcionava no Colégio Santo Agustinho. Corria o ano de 1952. Viajei de Campinas-SP até Goiânia pela estrada de ferro Mogiana. Derci em Vianópolis-Go, para chegar antes do trem, tomamos um táxi.
 Prestadas as provas um colega quis voltar antes por não ter obtido resultado positivo. Não tinha dinheiro para a volta. Dei-lhe a ele o que tinha. Fui falar com o Padre Quintiliano, então secretário do Bispo D.Abel, para me emprestar o dinheiro para a volta. Ele me disse vai de avião, visto que tinha que voltar a Campinas e dali seguir para o Rio, onde minha mãe estava hospitalizada. Disse ao Padre que eu nunca viajei de avião e tinha medo. Mas ele disse sempre há uma primeira vez...
Fui pegar o avião da AEROVIAS BRASIL que fazia um pouso em Anápolis para o almoço. Em seguida voava para o Rio.
Acomodado na poltrona a meu lado sentou-se uma jovem Senhora com seus 100 quilos...
Seus pais iam nas poltronas do outro lado. Começamos a conversar. Ambos estávamos com medo...
Eles tinha ganhado na loteria e então a viagem ao Rio. O avião ligou os motores e começou a se preparar para decolar. A companheira apavorada agarrou no meu pescoço com tanta força que o medo do avião acabou e temi ser enforcado...
Chegando em Anápolis fomos para o restaurante. Eu não ia fiquei do lado de fora. Meu dinheiro todo dava para o táxi no Rio. Pela insistência da aeromoça entrei no restaurante e pedi um prato de arroz calculando que seria bem barato. O garçom estranhou mas antes atendeu meu pedido. Comi arroz com arroz e um copo d’água. Ao pedir a conta o garçom me respondeu que era por conta companhia aérea... Não dava mais tempo de pedir mais comida...
Chegando ao Rio fui para o hospital Graffée, onde se tratava do câncer. Nervoso me dirigi a uma sala e perguntei por minha mãe. A freira disse que eu esperasse na sala que ela estava na enfermaria bem de frente. Quando a porta da enfermaria se abriu me apressei em abraçar e beijar com efusão... A doente se espantou. Não era minha mãe... Era uma companheira de enfermaria minha mãe nunca soube do mico... Afinal não foi o primeiro nem será o último mico.
  
Viver e não ter vergonha de ser fraco e ser feliz...



Melhor que esmola


Depois de 10 anos se reunindo com sem-teto de são Paulo, a psicóloga crava: há encontros que podem transformar a vida de quem vive na rua.
“Moradores de rua assumem a visão que a sociedade tem deles: de que são um nada. Mas o amor pleno pode transformá-lo.”

Que estereótipos foram caindo?

O que a pessoa não sai da rua porque não quer. Essas pessoas não estão no exercício pleno de sua vontade. Estão sob escombros sociais, psicólogos. Elas também introjetam a visão que a sociedade tem delas de que são um nada e deixam de acreditar em sua capacidade. Outra questão é achar que o morador de rua é vagabundo porque dorme de dia. Na verdade, esse é o horário mais seguro. Também é falsa a ideia de que eles não têm vergonha da situação. Muitos se escondem atrás de uma barba, de uma roupa suja, deixando-se morrer, porque nem eles mesmos acreditam em uma mudança.

Porque é tão difícil ficarem em um abrigo, onde teriam cama e comida?

Muitos teriam de se separar, por exemplo, do seu cão. Parece secundário, mas, no estado de abandono emocional em que vivem essas pessoas, aquele cão é essencial até para a sanidade mental. Em outros casos, têm uma relação amorosa, que precisariam deixar. Há ainda a dependência química. Se não for tratada, como a pessoa vai ficar um local sem a droga?

Como deveriam ser pensadas as políticas para esse público?

É preciso conhecer a realidade psicoemocional dos moradores de rua. Construir uma relação de confiança com eles leva tempo. Com uma vida tão exposta, eles não se abrem facilmente. Tem haver com um sentido de autopreservação, de proteger a última coisa que é realmente íntima – sua história. Os técnicos que farão o contato direto com os moradores de rua precisam acreditar no potencial deles. É isso que os fará recuperar a esperança. A transformação vem ao reconquistar o sentido da vida.

Revista: Galileu  nº 2541  pág. 36-.37
Autora: Vanessa Vieira


O dinheiro não deveria comprar tudo

Há coisas que o dinheiro não compra, mas, atualmente, não muitas. Quase tudo está à venda. Alguns exemplos: upgrade na cela carcerária, US$ 82 por noite. Em Santa Ana Califórnia, os infratores não violentos podem pagar por uma cela limpa e tranqüila na prisão. O celular do médico: de US$ 1,500 a US$ 25 mil por ano. Um número cada vez maior de doutores “de butique” oferece acesso ao seu telefone e consultas para o mesmo dia a paciente dispostos a pagar taxas altas. Matrícula do filho numa Universidade de prestígio? Embora o preço não seja divulgado, funcionários de universidades de primeira linha disseram ao Wall Street Journal que aceitam alunos não propriamente brilhantes cujos pais sejam ricos e suscetíveis a fazer doações financeiras generosas. Nem todo mundo pode pagar por essas benesses. Mas hoje não faltam maneiras de ganhar dinheiro. Algumas possibilidades inovadoras: alugar espaço na testa (ou em outra parte do corpo) para publicidade: US$ 777. A Air New Zeland contratou 30 pessoas para rasparem a cabeça e usarem tatuagens temporárias com o slogan “precisamos mudar? Vá para Nova Zelândia. Ler um livro, no caso de um aluno do ensino fundamental numa escola de Dallas: US$ 2. Para estimular a leitura, as escolas pagam às crianças por cada volume que lêem.

Revista: Galileu  nº 2541  pág.90
Autor: Michael J. Sandel




Parada Número Dois


Se considerarmos que fazer cocô na frente de alguém não é corriqueiro, grudando em um desconhecido, 

dentro do avião, parece filme.

Sabia que um dia isso iria acontecer... Pegando de dois a quatro aviões por semana, nada é mais humano que ter vontade de fazer cocô em uma dessas viagens... já estava sentada na poltrona quando chamei a comissária para relatar o meu desejo. Ela me oferece uma cadeira de rodas da companhia aérea, pois a minha já estava no compartimento de bagagens. Sair do avião para ir ao banheiro no aeroporto seria arriscado demais, e tive certeza de que largaria em São Paulo. Além do que, cada transferência vem com um aperto na barriga e fazer poltrona-cadeira, cadeira-vaso seria uma longa e arriscada distância.

Desde que sofri o acidente, nunca mais tinha entrado num banheiro de avião. Compreensível, devido ao tamanho reduzido para uma pessoa de porte médio. Eu nem sou de porte médio e, agravante, não consigo ir sozinha e, mais agravante ainda, tivemos que ir em três. A Gil me abraçando pela barriga e a comissária levando minhas pernas. 

Esse é o jeito que entro e saio do avião.

Dentro do toalete foi quase um show cômico. Primeiro que adquiri intimidade com a moça em cinco minutos de convivência, já que a Gil me levantava e ela tinha que tirar minhas peças de roupas. E, se considerarmos que fazer número dois na frente de alguém já não é corriqueiro, grudada em alguém desconhecido parece filme. Vida de tetra tem muito dessas coisas... Outro dia um garçom que eu acabara de conhecer ajudou o Melo a vestir o meu casaco. Uma vez, na praia, várias crianças me perceberam embaixo do chuveiro e dividiram bucha, sabonete e xampu, num trabalho em equipe que mal tive controle. Isso traz uma humanidade indescritível às relações, sem contar a satisfação de conseguir fazer as coisas com poesia e sem movimentos. Ir ao banheiro para mim é algo prazeroso! Acontece que muita gente com deficiência fica refém da própria necessidade fisiológica, não saindo de casa por medo de precisar usar uma toalete e não encontrar um adequado com almas disponíveis a ajudar. Geralmente, quando isso acontece comigo, eu opto pelo meu carro, por causa da dificuldade de achar espaços acessíveis. Além do mais, seria surreal sair perguntando na rua: “Oi, você poderia me ajudar a fazer cocô?

Momento íntimo

Com três pessoas grandes dentro daquele banheiro, a porta não fechou. Tivemos que recrutar uma quarta pessoa para segurar a cortina e impedir que outros passageiros transitassem por ali. O processo demorou uns 40 minutos. Pois é, esse momento tão íntimo, porém impessoal, não disse respeito a mim e às três participações especiais, envolveu cerca de 170 passageiros, sem contar funcionários, que aguardavam a decolagem. E ainda aqueles que ficaram esperando em Brasília para embarcar para o próximo destino da mesma aeronave. Simples, né? É o mais incrível é que todo banheiro de avião tem símbolo internacional de acessibilidade. Embora os funcionários tenham sido impecáveis, o mundo não foi feito para quem tem uma deficiência.



Autora: Mara Gabrilli, 42 anos, é publicitária, psicóloga e deputada federal pelo PSDB. É tetraplégica e fundou a ONG Projeto Próximo passo (PPP).

Revista: TPM Ano 11 nº 123  pág. 114
 


Manoel de Barros


Eu tinha vontade de fazer como os dois homens que vi sentados na terra escovando osso. No começo achei que aqueles homens não batiam bem. Porque ficavam sentados na terra o dia inteiro escovando osso. Depois aprendi que aqueles homens eram arqueólogos. E que eles faziam o serviço de escovar osso por amor. e que eles queriam encontrar nos ossos vestígios de antigas civilizações que estariam enterrados por séculos naquele chão. Logo pensei de escovar palavras. Porque eu havia lido em algum lugar que as palavras eram conchas de clamores antigos. Eu queria ir atrás dos clamores antigos que estariam guardados dentro das palavras. Eu já sabia também que as palavras possuem no corpo muitas oralidades remontadas e muitas significâncias remontadas. Eu queria então escovar as palavras para escutar o primeiro esgar de cada uma. Era escutar os primeiros sons, mesmo que ainda bígrafos. Começei a fazer isso sentado em minha escrivaninha. passava horas inteiras, dias inteiros fechado no quarto, trancado a escovar palavras. Logo a turma perguntou: o que eu fazia o dia inteiro trancado naquele quarto? Eu respondi a eles, meio entre sonhado, que eu estava escovando palavras. Eles acharam que eu não batia bem. Então eu joguei a escova fora.
 
Manoel de Barros
 

Na Casa das  Palavras, sonhou Helena Villagra, chegavam os poetas.
As palavras, guardadas em velhos frascos de cristal,
esperavam pelos poetas e se ofereciam,
loucas de vontade de ser escolhidas:
Elas rogavam aos poetas...
Que as olhassem... as cheirassem... as tocassem... as provassem!
Os poetas  abriam os frascos,
provavam palavras com o dedo e então...
lambiam os lábios ou fechavam a cara.
Os poetas andavam em busca de palavras que não conheciam,
e também buscavam palavras que conheciam e tinham perdido.
Na casa das palavras havia uma mesa das cores.
Em grandes travessas as cores eram oferecidas,
E cada poeta se servia da cor que estava precisando:
amarelo-limão ou amarelo-sol,
azul do mar ou de fumaça,
vermelho-lacre, vermelho-sangue, vermelho-vinho...
(Eduardo Galeano)
“Nasce como a Flor” (Jó 14.2)



A flor de lótus 


A flor de lótus (o símbolo espiritual do Oriente) crava suas raízes na lama. E sua beleza provém, em parte, desse barro, quase tanto quanto provem do ar e da luz do Sol.
Não devemos menosprezar o estudo do cultivo das raízes das plantas, dando preferência à contemplação de uma orquídea, por exemplo. Embora essa belíssima flor seja cultivada no galho de uma árvore, precisa estar ligada a um tronco forte. Este, por sua vez, tem de estar enraizado no solo, extraindo dele os nutrientes de que precisa para alimentar a si mesmo e ao parasita, a orquídea. E, em muitos casos, a árvore hospedeira sobrevive à orquídea durante muitos anos.
Certo escritor relatou o seguinte:
“Algum tempo atrás, já no final do outono, visitei a estufa de um floricultor. Naquele porão, pouco iluminado, havia uma fileira de vasos de planta. O homem me explicou que neles ele plantara a batata das flores de inverno. E era bom para elas se desenvolver naquele ambiente semi-escuro.”
Suas raízes cresciam melhor num lugar de sombras do que ao brilho da luz do sol. Daí a algum tempo, as flores estariam no ponto de se abrir. Então suas cores vistosas iriam alegrar muitos corações, e seu doce perfume permearia o ar de inverno.
Plantado nas sombras para florescer na luz.
 Primeiro, raízes, depois, rosas.

Livro: Mananciais do Deserto pág. 263-264
Autor: Lettie Cowman


Casa do Gigante

Antes de Caiapônia ser lançada com uma das maravilhas naturais de Goiás por causa de suas cachoeiras, ela sempre foi conhecida como a terra do gigante adormecido. Em diferentes pontos da cidade, você dá uma paradinha. Olha para a serra que a cerca e verá um gigante adormecido. Uma visão impactante, par ao turista, pois quem nasceu em Caiapônia logo se acostuma com o grandalhão preguiçoso, que nunca se levanta.
Na mesma linha de pedra sobre pedra está o morro do peão, ou outro gigante de beleza arrebatadora. O interior das serras abriga inúmeras cavernas. Algumas contam com inscrições rupestres. Mas esse tipo de turismo de aventura é muito incipiente. Pouco praticado. Merece maior atenção do poder público e da iniciativa privada. 

O volumoso corredor de água em Caiapônia é formado graças às oito nascentes que o município abriga – entre elas, dos Rios Pântano, Verdão, Paraíso e Claro. Par achegar às maravilhas aquáticas, a cidade oferece o Centro de Apoio ao Turista (telefone 64 3663-7170),  que pode orientar o visitante.
Converse com o guia, ele vai oferecer aas melhores opções. As mais acessíveis. São mais de dez cachoeiras, portanto, haja condicionamento físico.
Em todo caso, duas visitas são indispensáveis. A primeira: na cachoeira da Abóbora (ou 52 metros de queda livre), a 37 quilômetros do Centro de Caiapônia e fica na saída para Piranhas. Na mesma direção outro susto obrigatório: a Cachoeira da Samambaia (algo em torno de 54 metros de queda livre retinha, retinha). Alguns se aventuram com o guia antes para ele levar o equipamento adequado.
O roteiro de belezas naturais de Caiapônia conta ainda com as cachoeiras do Pântano, Jalapa e, surpreenda-se com a de São Domingos. Ufa. São 82 metros de queda livre. Um triunfo da natureza disputado pelos municípios de Caiapônia e Piranhas. Os dois querem assumir a paternidade da mina d’água.
Enquanto não se faz o teste de DNA, fica uma certeza. Mamãe natureza admite: flertou com os dois. E não quer saber de rixas. Senão a fonte d’água pode secar.
Caiapônia fica a 328 quilômetros de Goiânia, pela Rodovia dos Romeiros. Fundada em 1873, a cidade também já denominada de Torres do Rio Bonito. Pertence ao Sudoeste Goiano.

 Jornal: O popular
Autor: Sebastião Vilela Abreu



O Caso Cesari Battisti


O Supremo Tribunal Federal decidiu, por cinco votos a quatro, pela invalidação do ato de concessão de refúgio, praticado pelo Ministro da Justiça e, na seqüência, autorizou a extradição requerida pela Itália. Também por cinco votos a quatro, o STF entendeu que sua decisão é meramente autorizativa, cabendo a decisão política final ao Presidente da República. Não é o caso de se reproduzir, aqui, o conjunto de argumentos da defesa, que podem ser lidos nesse site (Atuação como advogado).
No tocante à segunda parte da decisão, embora tenha suscitado polêmica no próprio tribunal e na opinião pública, a Corte limitou-se a reproduzir jurisprudência antiga e pacífica: a competência final é do Presidente da República, por ser ele a autoridade competente para conduzir as relações internacionais do país, nos termos da Constituição. No tocante à primeira parte da decisão, com o respeito devido e merecido, penso que a maioria do STF cometeu um erro jurídico e outro político.
O erro jurídico foi o de considerar que a decisão de conceder refúgio constitui ato vinculado. Em nenhuma circunstância, a valoração dos fatos relevantes e das implicações políticas de uma decisão dessa natureza, típico ato de soberania, pode ser considerada um ato imune a valorações subjetivas da autoridade competente. O Professor Celso Antônio Bandeira de Mello demonstrou o desacerto dessa visão em parecer conciso e fulminante.
O erro político consistiu na decisão da Corte de sobrepor a sua própria valoração à que havia sido feita pelo Ministro da Justiça, com apoio do Presidente da República. Por voto de Minerva, optou por conceder a extradição, interrompendo uma longa série de decisões garantistas e projetivas dos direitos fundamentais. Mandar alguém para a prisão de trinta anos por voto de desempate é um precedente que não merece ser celebrado.

 Blog: Luís Roberto Barroso.




História Antiga

Na época das vacas magras
redemocratizado o país Governava a Paraíba
alugava de meu bolso em Itaipu uma casa
do Estado só um soldado que lá ficava sentinela
um dia meio gripado que passara todo em casa
fui dar uma volta na praia e vi um pescador
com sua rede e jangada mar adentro saindo
perguntei se podia ir junto não me reconheceu, partimos
se arrependimento matasse nunca sofri tanto
jogado naquela velhíssima jangada
no meio de um mar brabíssimo
voltando agradeci meses depois num despacho
anunciaram um pescador já adivinhando de quem
e do que se tratava dei (do meu bolso) três contos
é para uma nova jangada que nunca vi outra
tão velha voltou o portador com a seguinte notícia
o homem não quer jangada quer um emprego público.

Livro: Os cem melhores poemas brasileiros do século Pág. 321
Autor: Francisco Alvim



Lambe-Lambe
 - Fotos que contam histórias

 
 Da primeira vez que um papa visitou o Brasil, 1980, além de todas as honrarias, recebeu um presente inusitado: o paraibano Damião Galdino fez questão de entregar ao sumo pontífice um jumento caprichosamente batizado de Jericar. Como era de se esperar, João Paulo II não pode levar o simpático animal para pastar no vaticano. O bichano ficou em Brasília mesmo, onde participou de manifestações políticas e até subiu a rampa do palácio do Planalto em um ato das Diretas Já. Só quando Jericar morreu, anos depois, Damião conseguiu cumprir seu objetivo: “Consegui, finalmente, dar o presente que sempre sonhei para o papa”, declarou na época. Tinha acabado de enviar as cinzas do jumento para o Vaticano.

Revista: BRASIL - Almanaque de Cultura Popular
Ano 14 nº 160 pág. 05


Padre empresário queria 
abrir shopping na paróquia


Num certo domingo de agosto de 1966, quem estivesse caminhando por Ipanema, Rio de Janeiro, poderia ser surpreendido pelo melhor do iê-iê-iê. Mas não se tratava de nenhuma casa de espetáculos com a apresentação de Roberto Carlos, Erasmo Carlos e Wanderléa. O som vinha, na verdade, da Igreja de Nossa Senhora da Paz, comandada pelo frei Leovigildo Balestieri, que convocou o grupo The Brazilian Bitles para animar uma das missas. Seu argumento era irrefutável: “tenho que concorrer com a praia à frente”. O frei não inovou somente à missa. Leovigildo, que estava na paróquia desde 1939, tinha uma visão empresarial do comando da igreja.
Não achava que deveria sobreviver apenas de dízimos.
Como fontes alternativas de recursos,
abriu  uma pequena fábrica de azulejos
no subúrbio e ganhou o controle
do guarda-volume da Central do Brasil.
Passou a controlar um cinema, 
um rinque de patinação e até um boliche.
Em 1973, reuniu-se com empresário e anunciou que construiria um shopping no terreno da igreja. Entre lojas de Surfwear e restaurante de comida rápida, manteria uma capelinha para receber os fiéis. Mas a idéia nunca saiu do papel,
sobretudo por uma forte campanha contrária do Pasquim.
Para o escritor e jornalista Ruy Castro, “frei Leovigildo talvez não vendesse sua alma ao diabo.
Mas aceitaria reunir-se com ele para discutir o negócio.


Revista: BRASIL - Almanaque de Cultura Popular
Ano 14, nº 160 pág. 06



Barriga de Leila Diniz 
provocou revolução


Maria Helena Malta, repórter e amiga de Leila Diniz, cansou de sugerir matérias com a atriz na revista Claudia, em 1970. “Ela não tem nada a ver com o nosso público”, respondiam editores. A brecha veio na gravidez de Leila, que parecia aproximar a rebelde dos temas da publicação.
A repórter e o fotógrafo Joel Maia a encontraram em 15 de agosto de 1971 na ilha de Paquetá. Ela curtia a gravidez à vontade de biquíni, na casa onde o marido Ruy Guerra trabalhava. “como você quer tirar as fotos, Leila?” perguntou a reportagem. “Assim mesmo está ótimo”, disse ela, sem saber quanto as imagens do barrigão descoberto na praia 
virariam um clássico da iconografia feminina no país.
Na edição da Claudia de outubro, pela primeira vez a sociedade deparava-se com uma barriga de oito meses de gravidez fora dos livros de medicina. A Antropóloga Miriam Goldemberg comenta: “Leila fez uma verdadeira revolução simbólica ao revelar o oculto, a sensualidade feminina fora do controle masculino, em sua barriga grávida ao sol”.

Revista: BRASIL - Almanaque de Cultura Popular
Ano 14 nº 160 pág. 10
Autor: Joaquim Ferreira dos Santos



Olho de Boi não manchava 
a imagem do imperador
Depois apenas da Inglaterra, o Brasil foi a segunda nação a emitir selos com validade para todo o território. 
A ordem de dom Pedro II determinando a impressão de selos em folhas de papel fino branco, não muito ordinário, acabou por criar uma preciosidade buscada até hoje 
pelos faz da filatelia mundial
Impressas pela Casa da Moeda em 1º de agosto de 1843, 
hoje Dia nacional do Selo, nossas primeiras emissões postais eram objetos bem simples: redondos, apenas com inscrição do valor em réis ao centro e arabescos no entorno. 
Pela aparência, ficaram conhecidos como olho-de-boi.
Enquanto a Inglaterra imprimia o rosto da rainha nas emissões postais, por aqui a ideia de estampar em selos a efígie do imperador encontrou resistência. Ninguém queria que a face de Pedro II pudesse ser manchada com um reles carimbo postal.


Revista: BRASIL - Almanaque de Cultura Popular
Ano 14 nº 160 pág. 05



Professor Curitibano tem Palíndromo 
até no nome


Foi lá nos anos 1960, no colégio, que Ziro Roriz se deparou pela primeira vez com o que seria a sua especialidade: “Socorram-me subi no ônibus em Marrocos”. A palídromia, brincadeira com palavras e frases que continuam iguais se lidas da direita para a esquerda, nunca mais saiu da vida do professor de matemática. Com mais de 500 palíndromos criados, aos 45 anos Ziro se deu conta de que o próprio heterônimo, formado pelo apelido de infância e o sobrenome, era palíndromo. “Posso dizer que sou um palindromista legítimo”, afirma orgulhoso.
E completa: “ Se vocês escrever seguidas vezes meu prenome,
Osíris, ele também fica palidrômico (osirisosirisosirisosiris)”.
Ziro estudou tudo sobre o tema que cativou de Millôr Fernandes
(autor de “A mala nada na alma”) a Chico Buarque
(“Até Reagan sibarita tira bisnaga ereta”). 
Aos 62 anos, afirma ter criado o maior palíndromo 
da língua portuguesa, com 309 palavras. 
Chama-se “É na tropa do avô novo no vão da porta, né”.
Sim, como você deve ter notado, o título 
também pode ser lido ao contrário.
Ao longo da vida, Ziro reuniu mais de 4.500 jogos de palavras, entre frases, textos, palíndromos circulares e até um poema palíndromo. Organizou inclusive um livro que pretende ainda publicar. O passatempo já está tão enraizado no dia a dia, que não consegue ler o nome de uma placa ou conhecer o nome de alguém sem imaginar o inverso: “Hoje em dia, 
mentalizo a palavra e ela já me vem ao contrário”.



Grego criou a maratona 
só para enviar uma mensagem


A maratona é considerada a prova mais nobre e difícil das Olimpíadas. Tanto que é a modalidade escolhida para fechar os jogos olímpicos. Ultrapassar seus 42,195 quilômetros é tarefa para poucos. Se já é uma missão complicada para atletas bem treinados, imagine para Filípedes, o mensageiro grego que precisou correr essa distância para salvar seu povo e, séculos depois, inspirar o surgimento da maratona.
O ano era 490 antes de Cristo e os soldados gregos se envolveram num combate contra os persas na planície de Marathonas. Atenas ficou apreensiva porque os persas prometeram, caso saíssem vitoriosos, entrar na cidade e matar a todos – inclusive mulheres e crianças.
Os soldados atenienses deixaram uma ordem às mulheres: caso não recebessem a notícia da vitória em 24 horas, 
deveriam matar seus filhos e se suicidar.
Mesmo em menor número, os gregos venceram. Mas, a batalha durou mais do que o esperado. O general Milcíades ordenou a Filípedes que corresse o mais rápido possível a Atenas para dar a notícia. Ao chegar à cidade, 42 quilômetros depois,
apenas  disse: “Vencemos”, e caiu morto.
Os organizadores dos primeiros jogos Olímpicos da Era moderna, em 1896, em Atenas decidiram homenagear o herói grego com a criação da maratona, que então possuía cerca de 40 quilômetros. A distância atual só passou a valer em 1908, na Olimpíada de Londres, para que a família real 
britânica pudesse acompanhar
o início da prova dos jardins do Palácio de Windsor.

Revista: BRASIL - Almanaque de Cultura Popular
Ano 14 nº 160 pág. 12

Uma reunião do alto comando 
dos militares na rua...

Trabalhando no Ministério da Educação, 
voltava para o serviço na parte da tarde.
Entrando pela lateral que leva aos ministérios, parado para poder entrar na pista do outro lado de repente um carro entrou pela esquerda num espaço que não caberia o automóvel,pois meu veículo tinha frente preparada para virar. Não deu outra, esbarrou no carro da frente amassando os dois veículos.
Uma senhora da alta sociedade desceu do carro e se dirigiu a pé para os prédios dos Ministérios militares.
Enquanto isso foi acionada a polícia 
especializada para fazer a devida perícia.
Eis que a senhora volta acompanhada pelo seu marido que era nada mais nada menos que o Ministro da Marinha, um almirante. Logo em seguida foram aparecendo outros militares, ministro da Aeronáutica, depois o Ministro do Exército, o chefe do SNI.
Percebida essa conjunção , o jeito foi chamar 
meus colegas de repartição, três coronéis...
Esses chegaram perto do lugar do evento 
e se mandaram de volta.
O Almirante foi logo tirando a chave de meu carro e me dizendo que providenciasse o conserto do carro de suaesposa.Foi-lhe respondido que a perícia já tinha sido acionada e era esperada. Mas o militar foi dizendo que não era necessária nenhuma perícia...
Nesse instante um colega passava por ali e vendo aquela confusão, me tomou pela mão e me disse: deixa tudo comigo e vai para sua repartição. O chefe do SNI me disse que testemunharia contra você. Ele estava presente na hora? Respondi que não. Pior, vai embora.
Você vai perder o emprego. 
Suma daqui, vai embora.
Fui.
Chegando à repartição os companheiros estavam comentando e rindo a não mais poder...Rapaz você conseguiu reunir 
as Forças Armadas num canteiro da esplanada 
por causa de uma simples batida...
Recriminei a covardia deles em me abandonar à sanha dos militares. E eles: onde há um general, um almirante e o Ministro da Aeronáutica e ainda o chefe do SNI, coronéis não apitam, são peixinhos miúdos...Seriam presos por se envolverem no meio de patentes mais altas...
Claro que arquei com o prejuízo, sem me ter convencido que a culpa era minha, se fui batido por trás...


Onde há tubarões fujam os cardumes!



Paulo Motta
Goiânia, GO


  
 A pior audiência da minha vida

A minha carreira de Promotor de Justiça foi pautada sempre pelo princípio da importância (inventei agora esse princípio), isto é, priorizava aquilo que realmente era significante diante da quantidade de fatos graves que ocorriam na Comarca em que trabalhava. Até porque eu era o único promotor da cidade e 
só havia um único juiz. Se nós fôssemos nos preocupar com furto de galinha do vizinho; briga no botequim de bêbado sem lesão grave e noivo que largou a noiva na porta da igreja nós não iríamos
 dar conta de tudo de mais importante que havia para fazer e como havia (crimes violentos, graves, como estupros,
homicídios, roubos, etc).
 Era simples. Não há outro meio de você conseguir fazer justiça se você não priorizar aquilo que, efetivamente, interessa à sociedade. Talvez esteja aí um dos males do Judiciário
quando se trata de “emperramento da máquinajudiciária”. Pois bem. O Procurador Geral de Justiça (Chefe do Ministério
 Público) da época me ligou e pediu para
 eu colaborar com uma colega de comarca vizinha que estava enrolada com os processos e audiências dela. 
Lá fui eu prestar solidariedade à colega. Cheguei, me identifiquei a ela (não a conhecia) e combinamos que eu ficaria com os
processos criminais e ela faria as audiências e os processos cíveis. Foi quando ela pediu para, naquele dia, eu fazer as audiências, aproveitando que já estava ali. Tudo bem.
Fui à sala de audiências e me sentei no lugar reservado aos membros do
 Ministério Público: ao lado direito do juiz. 
E eis que veio a primeira audiência do dia: um crime de ato obsceno cuja lei diz:
Ato obsceno
 Art. 233 – Praticar ato obsceno em lugar público, ou aberto ou exposto ao público:
 Pena – detenção, de três meses a um ano, ou multa. 
O detalhe era: qual foi o ato obsceno que o cidadão praticou para estar ali, sentado no banco dos réus? Para que o Estado movimentasse toda a sua estrutura burocrática para fazer valer a lei? Para que todo aquele dinheiro 
gasto com ar condicionado, luz, papel, salário do juiz, do promotor, do defensor, dos policiais que estão de plantão, dos oficiais de justiça e demais funcionários justificasse aquela audiência? Ele, literalmente, cometeu uma ventosidade intestinal em local público, ou em palavras mais populares, soltou um pum, dentro de uma agência bancária e o guarda de
segurança que estava lá para tomar conta do patrimônio da empresa, incomodado, deu voz de prisão em flagrante ao cliente peidão porque entendeu que ele fez aquilo como forma de deboche da figura do segurança, de sua 
autoridade, ou seja, lá estava eu, assoberbado de trabalho na minha comarca, trabalhando com o princípio inventado agora da importância, tendo que fazer 
audiência por causa de um peidão e de um guarda que não tinha o que fazer. E mais grave ainda: de uma promotora e um juiz que acharam que isso fosse algo 
relevante que pudesse autorizar o Poder Judiciário a gastar rios de dinheiro com um processo para que aquele peidão, quando muito mal educado, pudesse ser punido nas “penas da lei”.
Ponderei com o juiz que aquilo não seria um problema do Direito Penal, mas sim, quando muito, de saúde, de educação, de urbanidade, enfim… Ponderei, ponderei, mas bom senso não se compra na esquina, nem na padaria, não é
mesmo? Não se aprende na faculdade. Ou você tem, ou não tem. E nem o juiz, nem a promotora tinham ao permitir que um pum se transformasse num litígio a ser resolvido pelo Poder Judiciário. 
Imagina se todo pum do mundo se transformasse num processo? O cheiro dos fóruns seria insuportável. 
O problema é que a audiência foi feita e eu tive que ficar ali ouvindo tudo 
aquilo que, óbvio, passou a ser engraçado. Já que ali estava, eu iria me divertir. Aprendi a me divertir com as coisas que não tem mais jeito. Aquela era uma delas. Afinal o que não tem remédio, remediado está.
O réu era um homem simples, humilde, mas do tipo forte, do campo, mas com idade avançada, aproximadamente, uns 70 anos.
  
Eis a audiência: 
Juiz – Consta aqui da denúncia oferecida pelo Ministério Público que o senhor no dia x, do mês e ano tal, a tantas horas, no bairro h, dentro da agência bancária Y, o senhor, com vontade livre e consciente de ultrajar o pudor público, praticou ventosidade intestinal, depois de olhar para o 
guarda de forma debochada, causando odor insuportável a todas as pessoas daquela agência bancária, fato, que, por si só, impediu que pessoas pudessem ficar na fila, passando o senhor a ser o primeiro da fila.
Esses fatos são verdadeiros?
Réu – Não entendi essa parte da ventosidade…. o que mesmo?
Juiz – Ventosidade intestinal. 
Réu – Ah sim, ventosidade intestinal. Então, essa parte é que eu queria que o senhor me explicasse direitinho. 
Juiz – Quem tem que me explicar aqui é o senhor que é réu. Não eu. Eu cobro explicações. E então.. São verdadeiros
ou não os fatos? 
O juiz se sentiu ameaçado em sua autoridade. Como se o réu estivesse desafiando o juiz e mandando ele se explicar. Não percebeu que, em verdade, o réu não estava entendendo nada do que ele estava dizendo. 
Réu – O guarda estava lá, eu estava na agência, me lembro que ninguém mais ficou na fila, mas eu não roubei ventosidade de ninguém não senhor. Eu sou um homem honesto e trabalhador, doutor juiz “meretrício”. 
Na altura da audiência eu já estava rindo por dentro porque era claro e óbvio que o homem por ser um homem simples ele não sabia o que era ventosidade intestinal e o juiz por pertencer a outra camada da sociedade não entendia algo óbvio: para o povo o que ele chamava de ventosidade intestinal aquele homem simples do povo chama de PEIDO. E mais: o juiz se 
ofendeu de ser chamado de meretrício. E continuou a audiência. 
Juiz – Em primeiro lugar, eu não sou meretrício, mas sim meritíssimo. Em segundo, ninguém está dizendo que o senhor roubou no banco, mas que soltou uma ventosidade intestinal. O senhor está me entendendo?
Réu ¬– Ahh, agora sim. Entendi sim. Pensei que o senhor estivesse me chamando de ladrão. Nunca roubei nada de ninguém. Sou trabalhador. 
E puxou do bolso uma carteira de trabalho velha e amassada para fazer prova de trabalho. 
Juiz – E então, são verdadeiros ou não esses fatos. 
Réu – Quais fatos?
O juiz nervoso como que perdendo a paciência e alterando a voz repetiu. 
Juiz – Esses que eu acabei de narrar para o senhor. O senhor não está me ouvindo? 
Réu – To ouvindo sim, mas o senhor pode repetir, por favor. Eu não prestei bem atenção. 
O juiz, visivelmente irritado, repetiu a leitura da denúncia e insistiu na tal da ventosidade intestinal, mas o réu não alcançava o que ele queria dizer. Resolvi ajudar, embora não devesse, pois não fui eu quem ofereci aquela denúncia estapafúrdia e descabida. Típica de quem não tinha o que fazer. 
EU – Excelência, pela ordem. Permite uma observação? 
O juiz educado, do tipo que soltou pipa no ventilador de casa e jogou bolade gude no tapete persa do seu apartamento, permitiu, prontamente, minha manifestação. 
Juiz – Pois não, doutor promotor. Pode falar. À vontade. 
Eu – É só para dizer para o réu que ventosidade intestinal é um peido. Ele não esta entendendo o significado da palavra técnica daquilo que todos nós fazemos: soltar um pum. É disso que a promotora que fez essa denúncia está acusando o senhor. 
O juiz ficou constrangido com minhas palavras diretas e objetivas, mas deu aquele riso de canto de boca e reiterou o que eu disse e perguntou, de novo, ao réu se tudo aquilo era verdade e eis que veio a confissão.
Réu – Ahhh, agora sim que eu entendi o que o senhor “meretrício” quer dizer.
O juiz o interrompeu e corrigiu na hora. 
Juiz – Meretrício não, meritíssimo. 
Pensei comigo: o cara não sabe o que é um peido vai saber o que é um adjetivo (meritíssimo)? Não dá. É muita falta de sensibilidade, mas vamos fazer a audiência. Vamos ver onde isso vai parar. E continuou o juiz.
Juiz – Muito bem. Agora que o doutor Promotor já explicou para o senhor de que o senhor é acusado o que o senhor tem para me dizer sobre esses fatos?
São verdadeiros ou não? 
Juiz adora esse negócio de verdade real. Ele quer porque quer saber da verdade, sei lá do que.
Réu – Ué, só porque eu soltei um pum o senhor quer me condenar? Vai dizer que o meretrício nunca peidou? Que o Promotor nunca soltou um pum? Que a dona moça aí do seu lado nunca peidou? (ele se referia a secretária do juiz que naquela altura já estava peidando de tanto rir como todos os presentes à audiência). 
O juiz, constrangido, pediu a ele que o respeitasse e as pessoas que ali estavam, mas ele insistiu em confessar seu crime.
Réu – Quando eu tentei entrar no banco o segurança pediu para eu abrir minha bolsa quando a porta giratória travou, eu abri. A porta continuou travada e ele pediu para eu levantar a minha blusa, eu levantei. A porta continuou travada. Ele pediu para eu tirar os sapatos eu tirei, mas a porta continuou 
travada. Aí ele pediu para eu tirar o cinto da calça, eu tirei, mas a porta não abriu. Por último, ele pediu para eu tirar todos os metais que tinha no bolso e a porta continuou não abrindo. O gerente veio e disse que ele podia abrir a porta, mas que ele me revistasse. Eu não sou bandido. Protestei e eles disseram que eu só entraria na agência se fosse revistado e aí eu fingi 
que deixaria só para poder entrar. Quando ele veio botar a mão em cima de mim me revistando, passando a mão pelo meu corpo, eu fiquei nervoso e, sem querer, soltei um pum na cara dele e ele ficou possesso de raiva e me prendeu. Por isso que estou aqui, mas não fiz de propósito e sim de nervoso. 
Passei mal com todo aquele constrangimento das pessoas ficarem me olhando como seu eu fosse um bandido e eu não sou. Sou um trabalhador. Peidão sim, mas trabalhador e honesto.
O réu prestou o depoimento constrangido e emocionado e o juiz encerrou o interrogatório. Olhei para o defensor público e percebi que o réu foi muito bem orientado. Tipo: “assume o que fez e joga o peido no ventilador. Conta toda a verdade”. O juiz quis passar a oitiva das testemunhas de acusação e eu alertei que estava satisfeito com a prova produzida até então. Em outras palavras: eu não iria ficar ali sentado ouvindo testemunhas falando sobre um cara peidão e um segurança maluco que não tinha o que fazer junto com um gerente despreparado que gosta de constranger os clientes e um juiz que gosta de ouvir sobre o peido alheio. 
Eu tinha mais o que fazer. 
Aliás, euestava até com vontade de soltar um pum, mas precisava ir ao banheiro porque 
meu pum as vezes pesa e aí já viu, né?
No fundo eu já estava me solidarizando com o pum do réu, tamanho foi o abuso 
do segurança e do gerente e pior: por colocarem no banco dos réus um homem simples porque praticou uma ventosidade intestinal.
É o cúmulo da falta do que fazer e
 da burocracia forense, além da distorção 
do Direito Penal sendo usado como instrumento de
coação moral. Nunca imaginei fazer uma audiência
por causa de uma, como disse a denúncia, ventosidade
intestinal. Até pum neste País está sendo tratado como
crime com tanto bandido, corrupto, ladrão andando
pelas ruas o judiciário parou para julgar um pum. 
Resultado: pedi a absolvição do réu alegando que o
fato não era crime, sob pena de termos que ser todos,
processados, criminalmente, neste País, 
inclusive, o juiz que recebeu a denúncia e a promotora que a fez. 
O juiz, constrangido, absolveu o réu, mas ainda quis fazer 
discurso chamando a atenção dele, 
dizendo que não fazia aquilo em público, 
ou seja, ele é oúnico ser humano que está nas ruas 
e quando quer peidar vai em casa rápido, 
peida e volta para audiência, por exemplo. 
É um cara politicamente correto.  
É o tipo do peidão covarde, 
ou seja, o que tem medo de peidar. 
Só peida no banheiro e se não tem banheiro ele se 
contorce, engole o peido, cruza as perninhas e continua 
a fazer o que estava 
fazendo como se nada tivesse acontecido.  
Afinal, juiz é juiz. 
Moral da história: 
perdemos 3 horas do dia com 
um processo por causa de um 
peido. Se contar isso na Inglaterra,  
com certeza, a Rainha jamais irá 
acreditar porque ela também,  
mesmo sendo Rainha… Você sabe.



Rio de Janeiro, 10 de maio de 2012.
  
Paulo Rangel (Desembargador do Tribunal de Justica

do Rio de Janeiro).




“Ostra feliz não faz pérola”
 


A ostra, para fazer uma pérola,

precisa ter dentro de si um grão

de areia que a faça sofrer.

Sofrendo, a ostra diz
Para si mesma:
“Preciso envolver essa areia
pontuda que me machuca
com uma esfera lisa que
lhe tire as pontas...”
Ostras felizes não
fazem pérolas...
Pessoas felizes não sentem
de uma dor. Não é preciso que
seja uma dor doída...
Por vezes a dor aparece
como aquela coceira que
tem o nome de curiosidade.

Livro: Ostra feliz não faz peróla
Autor: Rubem Alves


A VACA QUE FOI REZAR

São João Del-Rei, Colégio São João.
Num domingo pela tarde os alunos 
estavam na igreja para uma aula de Catecismo.
Os educadores ficaram do lado de fora, no pátio enquanto se ministravam os ensinamentos pelo Padre Francisco, diretor do Colégio.
Eis que no pátio aparece uma vaca não sei de onde veio e andava sossegada não sei à procura de que.
Os educadores tiveram um mau pensamento e tentaram por em prática: pegar a vaca pelo chifre.Eram quatro e parecia que 
tudo podia dar certo e seria uma peça...
Acuaram a vaca de vagar e tentavam se acercar bem próximos dela. Parecia que estavam conseguindo, pois o bicho não era bravo, 
não era vaca parida, se não...
Mas de repente a vaca se assustou e desembestou para  o lado da porta lateral da igreja que estava aberta e entrou espavorida. Escorregou no ladrilho e caiu de joelhos bem em frente do altar...
A princípio foi um pânico geral .Um gaiato gritou lá de traz. Milagre ela está ajoelhada, veio rezar... A mente deles ainda estava lembrando o milagre de Santo Antonio que fez uma mula ajoelhar-se diante do ostensório para convencer um incrédulo da presença real de Jesus na hóstia consagrada.
O padre acalmando a meninada foi com alguns convencer a vaca que saísse por onde tinha entrado.
Os educadores ?  Sairam de mansinho e um pacto de silêncio escondeu a maldade 
deles com o pobre animal.
A meninada ficou convencida de que a vaca tinha  mesmo entrado para rezar!

Paulo Motta


Um desastre diferente 

Os padres e irmãos do Ateneu Salesiano de Belo Horizonte foram num feriado até o colégio que fica na cidade de Pará de Minas, cerca de 90 quilômetros de distância.
 Iam em dois carros pois era doze passageiros. Lá ouve confraternização, com muitas brincadeiras e um almoço regado a um bom e abundante vinho.
 Chegando a tarde, à hora da volta, uma das kombis, que era aposentada e já destinada à venda para alguma oficina mecânica. O proprietário pediu a um colega que pegasse a direção pois ele estava bastante alto, 
devido ao álcool ingerido. Eram quatro os passageiros.
  O motorista proprietário ia no banco da frente 
com o colega substituto. 
Este dizia que a Kombi estava tão velha 
que mais parecia uma carroça, pois não chegava a sessenta quilômetros nem numa descida.
Não custava verificar. Foi o que foi feito. Numa descida bem forte o improvisado motorista pisou no acelerador até ao assoalho, enquanto o outro verificaria o velocímetro. Mas eis que apareceu uma curva acentuada e, pé no freio. Foi a conta.
  Três capotadas e a Kombi de rodas para cima fora da pista...
  O dirigente imprudente e os demais passageiros 
foram todos arremessados para
fora. Para fora? mas ao procurar cada um, faltava o proprietário do carro.Sim, senhores, ei-lo que estava sentado entre as quatro rodas todo sujo de óleo queimado. Perguntado se estava bem respondeu gemendo que achava que tinha perdido o pescoço...Risos curtos. Logo foi ajudado a descer e se constatou que de fato seu pescoço tinha afundado...
Mas puxado pelos colegas voltou ao lugar...

Autor: Paulo Motta
Goiânia 03 de julho de 2012


Acredite se quiser

Ia o padre a um colégio fazer palestra para professores e alunos. Foi na cidade de Belo Horizonte. A rota era a Avenida Amazonas que mais parece um tabogan de carros. O veículo era uma Kombi que parecia ter sido aposentada e chamada à ultima hora para quebrar um galho.
Descendo a Avenida no sentido da cidade do Barreiro, de repente aparece uma roda de carro descendo a ladeira em meio aos carros. Viu-a também o padre e imaginava o tumulto que causaria...
Os automóveis que passavam pela Kombi buzinavam e o padre respondia com sua buzina, querendo dizer que também tinha visto o raro fenômeno.
Mas quando o terceiro carro buzinou ao passar pela velha Kombi, o padre desconfiou que era alguma coisa com ele mesmo.
Resolveu acostar e para seu assombro percebeu que a roda desembestada avenida abaixo era o pneu traseiro de sua Kombi e ele estava viajando com apenas três rodas...
Entre risos e amolação foi procurar a foragida roda e parafuzá-la no seu devido lugar com os parafusos que foram fiéis à roda fujona a continuar sua viagem mesmo com a roda traseira dançando por falta de mais parafusos...
E consegui chegar a seu destino, fazer sua palestra e ainda voltar para contar aos colegas o acontecimento. Ninguém acreditou e todos diziam que aquilo era impossível, eram pois muitos Tomés, mas o padre não repetiu o acontecimento para os incrédulos aceitar o fato. Então, 
o impossível aconteceu e o padre era eu mesmo...

Paulo Motta

 

 

UM CONTO ENGRAÇADO

PIQUINIQUE DOS SEMINARISTAS

Era costume um piquenique em algum lugar aprazível.
À hora do almoço uma Kombi iria levar a manjuba.
Vinagrete, tutu, arroz, carne ensopada, macarrão e chega...
A estrada era dentro de uma fazenda. Tinha chovido no dia anterior. O motorista acompanhado de um padre ouviu dele um conselho que na descida não freasse o carro mas reduzisse a marcha, pois era barro escorregadio. Foi como não se tivesse dito . Na primeira descida o rapaz mete o pé no freio.
A kombi foi deslizando e tombou.
As panelas foram viradas e a comida 
derramada dentro do carro.
Desvirando o carro, a comida foi recolhida às panelas...
Chegados ao lugar onde os seminaristas aguardavam, as panelas foram descidas para todos se servirem. Quando tudo parecia estar sossegado um seminarista virou-se para o motorista e lhe disse que estava borrado atrás, que fosse se trocar e limpar...
Acontece que o tutu derramado 
chegou até ao banco da direção do carro.
Mas ninguém ficou sabendo da malandragem de comida ter sido retirada do chão do carro e todos gostaram...

Paulo Motta


O MENINO QUE ÍA VIRAR SABÃO...


A família ia se despedir de um filho seminarista que deveria seguir para São Paulo. Eram ao todo onze pessoas. Além dos pais, uma amiga bem gorda, e oito filhos na idade de 2 a 14 anos... Era uma tropa!
Viajavam de trem e o tempo era chuvoso. A meta era a cidade de Cachoeiro de Itapemirim e a chegada era prevista para as dezoito horas, mas tendo caído uma barreira na estrada, o trem chegou somente às duas da madrugada. Dezoito horas de viagem... 
Todo mundo moído de cansaço...

Quando ainda em casa a irmã mais velha, Mariinha disse para os mais novos que deveriam andar sempre de mãos dadas na cidade para não se perderem, pois havia um carro que pegava os cachorros e crianças perdidos nas ruas e levava para fazer sabão...

Chegados ao destino o pai se dirigiu com a família para procurar um hotel, deixando na estação as malas e um filho de sete anos para ficar vigiando, que ele voltaria para levar em seguida 
a bagagem mais pesada que ali ficava.
O menino admirado com as manobras dos trens,
máquinas e vagões indo e vindo, apitos, ficou absorto...
Ele era filho de chefe de estação e nunca vira 
tanta movimentação nos trilhos...
O pai voltou depois de algum tempo, pegou as malas e foi ao encontro da família já localizada no hotel, sem reparar que o menino não o seguia.
O garoto quando olhou e não viu nem as malas nem o pai, corria por toda a extensão da plataforma de um lado 
para outro procurando seu pai,
e não o achando se viu sozinho. Então começou a chorar...
Um soldado que estava ali de serviço foi ao encontro do menino, mas este corria com medo do soldado, porém, este o alcançou e perguntou por que estava ali sozinho e chorando. O menino contou sua desventura. O soldado se prontificou a ir com ele ao encontro dos pais e irmãos, pois tinha reparado aquela numerosa família, inclusive a presença de uma senhora gorda. Mas o menino não aceitou a ajuda do policial, dizendo: o senhor quer é me levar para a carrocinha para me fazerem sabão... O militar e outras pessoas que ouviam a conversa começaram a rir da resposta do menino e se perguntavam onde ele ouvira esta estória
de fazer sabão de menino perdido...
Então várias pessoas juntas foram acompanhando o menino até seus pais. Quando alcançaram, o soldado perguntou 
ao pai se não tinha perdido um filho.

O pai começou a chamada de um por um. Não faltava ninguém, mas o soldado disse: esse aqui, ia virar sabão...
Aí foi a gozação de todos em cima do pobre coitado que se distraíra com os trens e acreditara na invenção de Mariinha.

Moral da estória: “Não se educa através do medo”

Paulo Motta
Goiânia, GO


Um comentário:

  1. Maravilhosos textos... Me diverti muito!
    Obrigada criança por seres assim!
    beijos
    Madá

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